Em depoimento à CPI da Covid nesta quarta-feira , o ex-governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, afirmou que ele e sua família correm risco de vida e que seu impeachment foi financiado por uma máfia na área de saúde.
Inquirido por Randolfe Rodrigues, defendeu a abertura de sigilo dos donos desses estabelecimentos.
Em fevereiro de 2019, Joaquim de Carvalho, ex-editor do DCM, escreveu sobre o enfrentamento por Gustavo Bebianno do esquema de milícias num hospital do Rio.
Ele estava sendo fritado e viria a ser demitido logo depois.
Bebianno morreu em 2020 de infarto fulminante em Teresópolis:
A fritura do ministro Gustavo Bebianno pode esconder um problema ainda mais grave do que a liberação de dinheiro do Fundo Partidário para o esquema de laranja em Pernambuco.
O titular da Secretaria Geral da Presidência bateu de frente com o esquema de milicianos que operaria no Hospital Federal de Bonsucesso, na Zona Norte do Rio de Janeiro.
Desde antes da posse de Bolsonaro, o ex-presidente do PSL já tinha alardeado que uma das prioridades do governo seria acabar com o controle dos milicianos no hospital.
”Chega ao ponto de as pessoas que precisam de tratamento terem de pegar senha com milicianos, que determinam quem vai ser atendido ou operado”, disse ele, em entrevista ao Estadão, publicada em 20 de dezembro.
Na época, não tinha sido revelada a relação da família Bolsonaro com as milícias da Zona Oeste, onde o ex-assessor de Flávio Bolsonaro tinha grande influência.
O caso teve repercussão depois que o Ministério Público do Rio de Janeiro deflagrou a operação que levou milicianos à prisão, em janeiro.
Soube-se então que um dos líderes da milícia, o ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, estava presente no gabinete de Flávio na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.
A mãe e a mulher de Adriano tinham sido assessoras de Flávio, com salário em torno de 6 mil reais.
Adriano e um dos comparsas, o major Ronald Paulo Alves Pereira, também tinham sido homenageados por Flávio, com diploma de mérito, e um deles recebeu a Medalha Tiradentes, uma das maiores honrarias concedidas pelo Legislativo do Estado.
De fato, depois de posse de Bolsonaro, o Ministério da Saúde interveio no hospital, e Bebianno estava na linha de frente desse movimento.
Um vídeo postado na internet mostra Bebianno na cabeceira da mesa de uma reunião entre representantes do governo federal e a diretoria interina do hospital.
“Eu gostaria de dizer para o senhor que há duas maneiras de fazer as coisas. Uma é pela dor. A outra é pelo amor”, afirmou.
Olhando no olho do diretor Paulo Roberto Cotrim de Souza, batendo na mesa, ele afirmou:
“Nós não vamos nos intimidar com ameaças veladas, com discursos contrários ao nosso trabalho. Nós esperamos que o senhor tenha liderança suficiente, tenha sensatez suficiente, para passar esse espírito ao corpo médico lá do hospital, porque nós vamos entrar no hospital e nós vamos fazer o trabalho que precisa ser feito. Aqueles que colaborarem estarão conosco. Quem não colaborar não estará conosco, e eles responderão pelos seus atos, inclusive criminalmente. A Polícia Federal estará dentro do Hospital de Bonsucesso, o Exército Brasileiro estará dentro do hospital de Bonsucesso, a Consultoria Fagundes estará dentro do hospital de Bonsucesso, os hospitais estarão dentro do hospital, tudo isso para fazer um trabalho que pode ser muito harmônico e feliz para todo mundo. Agora, quem vier com gracinha, com ameaça, a Presidência da República está diretamente interessada no assunto, nós não vamos arredar o pé do Hospital do Bonsucesso, e nós vamos fazer o que tem que ser feito. Então o senhor, por favor, transmita esse meu recado ao Doutor Baltazar, eu até vou fazer uma visita ao hospital qualquer hora dessas, e vou dizer isso para ele. Está certo? Eu quero ver quem vai ter peito de peitar a Presidência da República, e o trabalho que está sendo feito. Se tiver que haver confronto, sangue na camisa, como disseram lá, ameaçando as pessoas que estiveram lá — ‘oh, tome cuidado para não sair daqui com sangue na camisa, aqui é uma região muito perigosa’ —, isso foi dito lá. Então, eu pago para ver, pessoalmente, como pessoa física, como representante da Presidência da República, eu gostaria de contar com sua colaboração para que o hospital pudesse progredir assim como todos os outros progredirão, essa conversinha fiada, de cafajeste do Rio de Janeiro, não vai prosperar conosco, nós não vamos nos intimidar.”
É cedo para afirmar que existe alguma relação entre essa ofensiva do governo federal comandada por Bebianno e o processo de fritura dele, mas esta é uma hipótese que não se deve descartar.
A indignação de Bolsonaro com o esquema de laranjas do PSL não faz sentido se se considerar que, antes da denúncia vazada à Folha de S. Paulo sobre da existência de uma candidatura de fachada em Pernambuco, já era de conhecimento público outro caso, em Minas Gerais, que envolve o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio.
No caso mineiro, o ministro foi até prestigiado. Marcelo Álvaro Antônio foi exonerado para tomar posse da Câmara e renomeado no dia seguinte, sem que a família Bolsonaro tenha se movimentado.
Pelo contrário. Marcelo recebeu até elogios da Casa Civil e contou com o silêncio do ministro da Justiça, Sergio Moro.
Bebianno é um dos membros do governo federal mais articulados com o que se poderia chamar de sociedade civil organizada.
Ex-sócio de um grande escritório de advocacia no Rio, tem vínculos com a cúpula do Poder Judiciário tanto do Estado do Rio de Janeiro quanto em Brasília.
Os jornalistas da velha imprensa têm em Bebianno uma fonte privilegiada, uma das poucas, em um governo que se destaca por ter ministros sem prestígio público, como Damares Alves, Ricardo Vélez, Ernesto Araújo e Ricardo Salles.
Bebianno está sendo responsabilizado por ato em que tem a menor culpa, no caso dos laranjas, já que é evidente que a formação da chapa eleitoral está sob controle das lideranças estaduais — no caso de Minas, o ministro Marcelo Álvaro Antônio, e no caso de Pernambuco, o deputado federal Luciano Bivar.
Bebianno pode ter pisado em um território proibido no governo Bolsonaro, ao declarar guerra aos esquemas de milicianos que vendiam atendimento em um hospital público.
Se se quiser entender esse episódio, é preciso olhar com lupa para a ação das milícias na Saúde Pública.
Pode estar aí a razão do rompimento dos Bolsonaros com o ex-homem de confiança do presidente da república.