Entenda o porquê de Bolsonaro citar Jeanine Añez, a golpista boliviana, ao falar sobre seu futuro

Atualizado em 4 de novembro de 2022 às 20:54
Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PL), ao lado, ex-presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez. Foto: Reprodução

Durante vídeo no qual pedia que seus apoiadores desobstruíssem as rodovias do país na última quarta-feira (2), o presidente Jair Bolsonaro (PL), disse que esperava outro resultado e não a derrota. No entanto, Bolsonaro já estava preocupado com sua futura situação, já que se comparou diretamente em ao menos cinco ocasiões públicas com a ex-presidente interina da Bolívia, Jeanine Añez, presa e condenada a dez anos de prisão por promover um golpe de Estado. Com informações da BBC News Brasil.

Segundo analistas, sem reconhecer sua derrota no segundo turno das eleições presidenciais e diante de manifestações bolsonaristas que pedem por um “golpe militar”, Bolsonaro poderia estar tentando driblar qualquer possibilidade de responsabilização legal pelos atos sem, no entanto, frustrar sua base popular.

“Bolsonaro participou de uma forma ou de outra na consolidação do poder de Añez, que agora já foi indiciada, presa e condenada, tanto por questões de direitos humanos quanto por golpe. Até que ponto Bolsonaro teme que algo parecido aconteça com ele? Acho que provavelmente bastante”, afirma Guillaume Long, analista político do Center for Economic and Policy Research e ex-ministro das Relações Exteriores do Equador, que atuou como observador das recentes eleições no Brasil e estudou em detalhes o caso boliviano, que em sua avaliação tratou-se de um golpe de Estado contra Morales.

Para Long, as preocupações de Bolsonaro e o paralelo que ele traça fazem sentido: “Até porque a Justiça brasileira, enquanto Bolsonaro esteve no poder, já o contrariou algumas vezes, o que não foi o caso na Bolívia, em que o Judiciário sob Añez mostrou pouca independência em relação ao Executivo. E o fato de ele ter governado de maneiras que são problemáticas em termos jurídicos em várias áreas, com uma série de investigações já abertas contra si, e para adicionar a isso, um certo comportamento antidemocrático, acaba por gerar uma situação ameaçadora para ele”, analisa Long.

A política conservadora e de direita de Añez ocupou a presidência da Bolívia entre 2019 e 2020, depois que o presidente Evo Morales, seu vice-presidente, o presidente da Câmara e o do Senado renunciaram coletivamente, deixando o país sob explícita determinação das Forças Armadas bolivianas para que abdicassem do poder. Já Bolsonaro foi democraticamente eleito em 2018, ao derrotar no segundo turno o candidato Fernando Haddad (PT), que publicamente reconheceu a derrota um dia após a proclamação dos resultados pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Na época, Jeanine, então vice-líder do Senado, anunciou em lágrimas que estava disposta a atuar como presidente interina, segundo ela, “para acabar com o vandalismo e as mortes”.

Quase um ano após a renúncia de Morales, novas eleições presidenciais sacramentaram seu candidato, Luis Arce, como vencedor ainda em primeiro turno. A partir daí, se iniciam os processos judiciais que prenderam e condenaram Jeanine Añez. A ex-presidente interina foi encontrada pela polícia escondida dentro de uma cama box em sua casa.

“Tenho certeza: eu jamais serei uma Jeanine. Jamais. Porque, primeiro, eu acredito em Deus e, depois, eu acredito em cada um de vocês que estão aqui. A nossa liberdade não tem preço. Digo mais, como sempre tenho dito: ela é mais importante que a nossa própria vida”, disse Bolsonaro em Brasília, em abril de 2022, quando Jeanine já estava presa, mas ainda faltavam dois meses para sua condenação final.

Quando um veredito contra Jeanine foi alcançado na Justiça boliviana, Bolsonaro se pronunciou publicamente sobre a tentativa de trazê-la ao Brasil, o que estremeceu a relação com o governo do país, que considerou o esforço de Bolsonaro uma ingerência em assuntos domésticos da Bolívia.

“Continuamos a conversar. O que for possível eu farei para que ela venha para o Brasil caso assim o governo da Bolívia concorde. Estamos prontos para receber o asilo dela, como desses outros dois (aliados de Jeanine) que foram condenados a 10 anos de cadeia”, disse Bolsonaro.

A golpista Jeanine Áñez ao ser encontrada pela polícia da Bolívia

Em junho deste ano, em visita a Orlando, nos Estados Unidos, Bolsonaro traçou claros paralelos entre Jeanine e si próprio: “A turma dela perdeu, voltou a turma do Evo Morales. O que aconteceu um ano atrás? Ela foi presa preventivamente. E agora foi confirmado dez anos de cadeia para ela. Qual a acusação? Atos antidemocráticos. Alguém faz alguma correlação com Alexandre de Moraes e os inquéritos por atos antidemocráticos? Ou seja, é uma ameaça para mim quando deixar o governo?”.

Ao ficar sem mandato, em 1º de janeiro, Bolsonaro perderá também o foro privilegiado que possui há décadas e, portanto, passará a responder a processos na Justiça comum.

Atualmente, há quatro inquéritos autorizados pelo STF em que Bolsonaro é investigado por suspeitas de diferentes crimes, como a divulgação de notícias falsas sobre a vacina contra covid-19, o vazamento de dados sigilosos sobre ataque ao TSE, e o espalhamento coordenado de notícias falsas e a possível interferência na Polícia Federal. Há ainda as acusações de crimes feitas pela CPI da Covid, que estão em apuração pela Procuradoria Geral da República.

Para Long, as situações são muito diferentes. Primeiro, porque a própria OEA já publicou um relatório preliminar de observação eleitoral no Brasil em que descarta a possibilidade de fraude na eleição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), assim como já fizeram outros observadores internacionais, o Tribunal de Contas da União e até mesmo as Forças Armadas. Na Bolívia, a denúncia de fraude eleitoral pela OEA foi determinante para a renúncia de Morales.

Em segundo, porque a comunidade internacional imediatamente reconheceu a vitória do petista, demonstrando que não há apoio para questionamentos sobre a lisura do pleito.

“No caso da Bolívia, Evo estava sendo visto como alguém com um comportamento antidemocrático, por tentar um novo mandato, e isso o enfraqueceu politicamente internacionalmente. Obviamente, isso não justificaria um golpe de Estado como o que ocorreu contra ele. No Brasil, quem é visto como antidemocrático é Bolsonaro”, disse Long.

A atuação dos bolsonaristas pró-intervenção militar podem, no entanto, trazer implicações criminais para Bolsonaro caso fique provado que ele teve alguma atuação nos protestos antidemocráticos. Tanto Bolsonaro como seus aliados têm tentado desvincular o presidente das manifestações.

O ato de estimular comportamento golpista é em si um crime. O artigo 286 do Código Penal brasileiro também prevê detenção de três a seis meses, ou multa pra “quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade”.

A Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais e os Sindicatos dos Policiais Rodoviários Federais, afirmaram antes dos pronunciamentos de Bolsonaro, que o silêncio do presidente estaria “estimulando uma parte de seus seguidores a adotar ações de bloqueios nas estradas brasileiras”.

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