O entendimento do STF de que as Forças Armadas não são nem Poder, e, menos ainda, Poder Moderador, foi celebrado pela mídia e setores políticos como uma decisão redentora, que afasta o risco de golpes de Estado e rupturas institucionais.
O general Tomás Paiva, comandante do Exército que desde o fracasso do plano golpista vive uma fase provisória de metamorfose legalista, como muitos dos seus colegas de farda que continuaram em postos de comando no atual governo, foi enfático: “o STF está totalmente certo”.
E completou: “Não há novidade para nós”, esquecendo-se que, há exatos seis anos atrás, em 3 de abril de 2018, ele próprio, general Tomás Paiva, protagonizou a escrita do tweet do Alto Comando do Exército mandando o STF prender Lula, e que foi publicado pelo general Villas Bôas, de quem ele era chefe de gabinete.
Não deixa de ser absurdo e anacrônico a Suprema Corte do país ser provocada a se pronunciar a esse respeito com a atual Constituição em vigência há 36 anos.
Isso evidencia a debilidade da nossa democracia e mostra que o país ainda vive assombrado pelos ecos de 1964 e ameaçado pelos mesmos atores que desde o século passado se envolvem em todos golpes e conspirações – as cúpulas das Forças Armadas.
A decisão do STF era previsível. A Corte não tinha a menor possibilidade de decidir de outra maneira. Caso encampasse o entendimento delirante de bolsonaristas e de juristas da escola de Ives Gandra Martins, estaria então retroagindo 200 anos no tempo, até a Constituição de 1824, do Império, que instituiu o Poder Moderador do imperador.
O entendimento do STF vale por deslegitimar e desautorizar a retórica da extrema-direita e de setores antidemocráticos que instrumentalizam o que entendem ser uma ambiguidade do artigo 142 da Constituição para defender a intervenção militar.
Entretanto, por si só, a posição do STF não tem o condão de eliminar em definitivo as ameaças de golpes e de rupturas institucionais de parte das Forças Armadas, cuja institucionalidade foi preservada intacta depois dos graves atentados que perpetraram contra a democracia.
Além de se mudar o artigo 142 da Constituição por meio de uma Emenda Constitucional como a do deputado petista Carlos Zaratini/SP, que já tramita no Congresso, é preciso haver uma profunda mudança da atitude do poder civil a respeito da questão militar no Brasil.
É urgente a renovação de toda a atual geração do oficialato, formada e adestrada numa cultura conspirativa, reacionária, racista, anti-povo e colonizada.
De igual modo, é também urgente a necessidade de se realizar uma reforma militar nos termos propostos pelo professor Manuel Domingos Neto, com o objetivo de modernizar as Forças Armadas à luz das necessidades contemporâneas de defesa nacional, e afastando-as inteiramente de missões de segurança pública ou de outra índole que não aquelas de natureza militar.
A definição e a atualização periódica da Política Nacional de Defesa e da Estratégia Nacional de Defesa são responsabilidades que não podem ser delegadas aos próprios militares, menos ainda com exclusividade, como está acontecendo, porque são responsabilidades imanentes ao poder civil.
É essencial, ainda, que o presidente Lula, eleito pela soberania popular para exercer a função de comandante supremo das Forças Armadas, exerça na plenitude as suas prerrogativas constitucionais e subordine os militares ao comando do poder civil.
Numa linguagem conhecida na caserna, pode-se resumir que “civil manda, militar obedece”.