POR MARCONI SEVERO, cientista social e político
O voto dado a um determinado candidato pode ser entendido como uma delegação de confiança, condicionado ou não, por parte do eleitor. A sua adesão a determinado conjunto de ideias e programas pode ser um interessante fator interpretativo de uma realidade social, econômica e política. Ademais, estudos cujo foco consiste no mapeamento eleitoral têm ganhado destaque no Brasil – e despertam a atenção pelos seus achados. Em outras palavras, um discurso político que foque nos problemas específicos de uma região ou mesmo em determinadas classes sociais, tende a ter maior adesão nestes eleitores, em específico.
A dinâmica política do discurso induzido é observável, por exemplo, através do candidato que direciona seu discurso/plataforma para questões como a igualdade social, com políticas públicas de educação inclusiva, saúde gratuita e saneamento básico, o tende a conquistar uma adesão maior entre os eleitores que encontram-se vulneráveis em relação ao usufruto destes bens. Todavia, se este candidato usar o mesmo discurso para um local, até mesmo um bairro que seja elitizado, é provável que o seu programa político não fomente tanta adesão quanto no caso anterior. Trata-se de marketing: falar o que se quer ouvir; ou, como no caso de Bolsonaro, falar o que outros não têm coragem (afinal, atestariam publicamente sua irracionalidade, demonstrando que facilmente consegue-se invalidar milhões de anos de evolução da espécie humana).
Há, nesse sentido, um crescente discurso conservador-liberal que ganha destaque entre os eleitores brasileiros. Os dois segmentos que melhor representam este quadro são compostos por políticos de atuação religiosa (geralmente neopentecostais) e por policiais & Cia. Os seus discursos, geralmente representados pela redução da maioridade penal, pena de morte, resistência ao aborto e a união homoafetiva, são exemplos de programas que possuem grande adesão (moldada e condicionada) de determinadas parcelas eleitorais. Este fato pode ser observado pela crescente participação destes políticos em tais debates, especialmente no Poder Legislativo (mas também visando os demais poderes, ou seja, o Executivo e o Judiciário).
De acordo com alguns estudos de mapeamento político-partidário, os candidatos de matriz religiosa (os quais enfatizam muito bem o seu cargo religioso, em alguns casos até mais do que o próprio nome – bispo, pastor, padre, etc.) possuem uma maior adesão de eleitores de baixa renda e níveis de escolaridade inferiores. E este é um extrato significativo da população brasileira! Entretanto, temas como a segurança pública tendem a possuir maior adesão na classe média e média alta do que entre as classes populares (sendo elas mesmas alvo de constante repressão). Em outras palavras, a arcaica e carcomida política do “nós” contra o “eles”, do “cidadão de bem” contra o “inimigo-comum pecador” tenta unir-se, sob a forma de bancara religiosa e reacionária/repressiva, justamente para fortificar-se.
Entretanto, os reflexos do voto vão além da estrita realidade do eleitor. As acirradas eleições de 2014 são um exemplo disso; assim como a atual prisão do ex-presidente Lula deixou tal evidência patente. O mesmo pode-se dizer com relação ao impeachment de Dilma Rousseff, que possui a mesma fonte-comum: os votos dados a cada um dos candidatos eleitos (quem a julgou, sempre é bom lembrar, foi o Congresso). Os custos de um processo como este recaem não somente entre os eleitores do candidato A ou B, mas sobre todos os cidadãos. Aliás, ressalte-se que o ato de “votar certo ou errado” não existe. O que há, de fato, é uma delegação de confiança a um determinado candidato.
E justamente nesta relação que podem ser compreendidos os antagonismos: Bolsonaro só existe na medida em que há alguém para fazer oposição. A necessidade do outro (do inimigo) é vital à sua própria existência. E, nesse sentido, uma amálgama entre um discurso como o de Bolsonaro somado ao de Magno Malta (Revólver e Cruz), só pode ser interpretado como uma intolerância totalitária: como uma democracia tão jovem (como é a brasileira) pode servir para legitimar via sufrágio universal, quadros políticos compostos por pessoas que representem tais ideais?
Isto é, no mínimo, um grave alerta para a sociedade. O discurso de líderes salvadores da pátria, como solução ao “está tudo perdido” (problema) não se sustenta, de forma alguma. Ademais, o uso do jargão (chulo, por ser tão seleto como é) de “combater à corrupção” (somente de alguns) tem servido mais para fazer estragos do que para contribuição política e para a consolidação da democracia. Aliás, nesta atual conjuntura, há algo que pode-se dizer institucionalmente confiável? Se não, já é um sério prognóstico de efusivo perigo à vista, especialmente para saúde das instituições políticas brasileiras, pois existem muitos parasitas que nelas se fazem presentes.