O plano era o seguinte: Erika iria participar. Seria uma experiência única e inesquecível: andar sem roupa de bicicleta pelas ruas de Londres. Ou com pouca roupa. Não é sempre que você tem a chance de ser parte da Naked Bike Ride. Faltava apenas a bicicleta para Erika, mas isso não era um problema. Você aluga fácil bicicletas municipais perto do ponto de encontro, na rotatória em frente da entrada do Hyde Park.
Os sinais eram claros. Na noite de ontem, fomos dar num documentário que falava exatamente do poder liberador da nudez.
Um dia quase lindo de primavera. Dezesseis graus, um pouco de sol. Erika me consultou sobre a roupa que deveria usar para depois tirar no passeio. Sugeri um moletom, e ela aceitou.
Chegamos um pouco antes das três da tarde. Era o tempo de alugar uma bicicleta para depois Erika fazer uma espécie de aquecimento mental para o grande evento.
Uma multidão entusiasmada lotara o ponto da reunião. Passei os olhos e fui tirando algumas conclusões. Primeiro, havia mais curiosos do que ciclistas. Turistas de diferente origem e variadas idades. Os homens procuravam mulheres bonitas peladas na multidão. Não era fácil. Sabe quando você busca pipoca boa quando deixou o saco além do tempo no microondas? Oito entre dez ciclistas eram homens.
“Cadê as mulheres?”, me perguntou Erika.
Elas estavam ali, mas não estavam. Quer dizer, na platéia, mas não nas bicicletas. Vi um grupo de jovens turistas asiáticas pedindo para um ciclista pelado se deixar fotografar ao lado delas. Os ciclistas pelados viram celebridades antes de passeios daquela natureza. São admirados pela coragem e são fotografados por profissionais da mídia e pelos amadores em geral. Muitos vão aparecer em sites e jornais de todo o mundo. A minoria feminina – e bonita — será escolhida pelos editores de fotografia, o que levará você a imaginar que as mulheres atraentes dominam passeios de ciclistas pelados.
Por que eles estão pedalando sem roupa? Bem, vejo o pretexto pintado nas costas de um participante: “Parem de matar os ciclistas!” Alguém pintou também no corpo um protesto ecológico. Mas a real razão é, simplesmente, tirar a roupa em público. Fazer uma arte, por assim dizer. Ou uma catarse, para usar o palavreado psicológico.
Todos levamos uma vida tão correta e tão previsível que em certas ocasiões a vontade de romper a convenção parece irresistível. Confesso que, por um momento, pensei também em aderir. Mas logo desisti. Sou certinho demais. Eu estava ali como jornalista. Ponto. Além do mais, gastei minha cota de bicicleta recentemente pedalando por Copenhague — de roupa.
E Erika?
Perdi Erika na aglomeração.
Será?
Passeio os olhos pelos ciclistas e curiosos, e nada. Teria ela ido alugar uma bicicleta?
Passados alguns minutos, enfim a vejo. Ela se decidiu, sim, a experimentar uma coisa nova. A comida do Serpentine, um dos dois restaurantes do Hyde Park.
“Estou pronta”, ela me diz. “Para almoçar.”
São quatro horas, e concordo com ela em que não há mesmo, então, programa melhor que buscar um prato de comida.