Na semana em que a guerra entre a Ucrânia e a Rússia completa um ano, os embaixadores no Brasil dos países em conflito concederam uma entrevista exclusiva à Agência Brasil.
O embaixador da Rússia no Brasil, Alexey Labetskiy, descartou o começo de um conflito nuclear. Para o russo, os políticos dos Estados Unidos sabem que “o início de qualquer guerra nuclear significa o fim da civilização humana”. E, por isso, mesmo uma escalada ainda maior no confronto não levaria uma consequência dessa gravidade.
O chefe da Embaixada da Ucrânia, Anatoliy Tkach, avalia que a estratégia militar russa em território ucraniano fracassou. Segundo o ucraniano, a Rússia passou a enviar criminosos condenados para o front, o que ele classifica como uma evidência desse fracasso. Na entrevista, ele ainda acrescentou que seu país prepara uma contraofensiva para liberar mais territórios ucranianos do domínio do país vizinho.
Confira abaixo alguns trechos das duas entrevistas:
Alexey Labetskiy, embaixador da Rússia no Brasil
Objetivo inicial da Rússia no conflito com a Ucrânia
O início da operação foi para, primeiro, garantir a segurança da Rússia. Segundo, para “desnazificar” a Ucrânia, país que glorificou institucionalmente, tornando heróis nacionais, os que combateram ao lado de Hitler na Segunda Guerra Mundial, contra os aliados.
O ocidente tentou criar, da Ucrânia, um ponto de ataque contra a Rússia. E agora, já depois do início da operação especial, ex-grandes políticos da Alemanha, da França e da Ucrânia reconhecem que a assinatura dos acordos de Minsk [visando dar fim a conflitos armados no leste da Ucrânia], em 2014 e 2015, foi feita com um único objetivo, de rearmar a Ucrânia contra a Rússia. Já nosso objetivo foi mais simples: criar as condições de unificação do território, onde uns aceitaram o golpe de estado de fevereiro de 2014 [que depôs o então presidente Victor Yanukóvich] e outros não aceitaram.
Possível guerra nuclear após a suspensão do acordo com os EUA
Estou convicto de que o mundo não está mais próximo de um conflito nuclear. Os jogos políticos dos ocidentais estão especulando isso, mas a realidade concreta é que eles querem conservar sua supremacia, o que não vamos permitir. Quem rompeu a estabilidade estratégica mundial foram os EUA, que saíram do acordo dos mísseis de pequeno e médio alcances.
Agora, os EUA forneceram para a Ucrânia dezenas de bilhões de dólares em armamento. Ao mesmo tempo, dizem que vão manter a estabilidade estratégica e o programa de verificação de objetos russos. Isso é uma tolice completa.
Economia russa durante o conflito
[…] a história conturbada da Rússia no século passado, quando havia guerras civis, nos ensinou que, para garantir a sobrevivência, nós devemos ser capazes de garantir três coisas: as exigências e necessidades básicas da população; a economia; e, o principal, a defesa. Apesar de todos os problemas, temos indústrias capazes. Temos também nossa identidade.
A importância do Porto Sebastopol e da Crimeia
O porto tem importância simbólica para os povos do meu país. Primeiro, do ponto de vista de identidade russa. O Porto de Sebastopol sempre foi um porto central da base naval da frota imperial, da frota soviética e da frota russa. A Crimeia, em si, foi povoada pelos russos depois da entrada para o império, mas ela é multinacional, com tártaros, russos e ucranianos. Mas teve o referendo, que votou pela volta desse território para a composição da Federação da Rússia.
Este território tem importância do ponto de vista histórico, cultural e de identidade. E também da agricultura e da diversidade, porque a única zona subtropical da federação é a Crimeia. Não temos outros territórios desses.
Situação da Europa em relação ao gás russo
[…] Nosso gás é bom. Não se pode dividir gás entre democrático e não democrático. Gás é gás. É necessidade diária. Então, se a Europa quer pagar o dobro ou o triplo pelo gás norte-americano, o problema é dos europeus. Nós vamos vender o nosso para os países asiáticos, africanos e latino-americanos.
Relações entre Brasil e Rússia após vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Eu gostaria de dizer que, nos últimos anos, nossas relações com o Brasil sempre foram de parcerias estratégicas. Estamos interessados em manter isso e respeitamos a vontade e a escolha do povo brasileiro porque não tentamos ensinar ou impor nossas ideias a países com quem mantemos esse tipo de parcerias.
Tivemos muito boas relações com os primeiros governos do presidente Lula. Lembro bem porque comecei a trabalhar no Brasil em 2003, e isso foi até 2010, quando terminou minha primeira missão no país. O Brasil está evoluindo.
Proposta de Lula para o restabelecimento da paz na Europa
Nós respeitamos as posições brasileiras em todas as questões ligadas a situação internacional e à governança global. Nós vemos que o interesse do Brasil é de dar solução aos problemas que foram criados no mundo unipolar. Por isso nós seguimos com muita atenção todas as iniciativas avançadas pela parte brasileira.
Condições da Rússia para apoiar proposta
Primeiro nós devemos trabalhar. Depois vamos ver. A diplomacia é uma atividade que nem sempre é aberta ao público. Ela necessita de falas e compreensões muito específicas, mas também muito concretas.
Dilma Rousseff como presidente do banco do Brics
Nós ouvimos e trabalhamos nesta iniciativa que foi avançada pelo Brasil e conhecemos muito bem a presidente Dilma. Conhecemos muito bem e trabalhamos muito com ela durante seu governo. Mas a decisão é da parte brasileira. E a presidência do banco agora é brasileira. Tudo dependerá de como esse processo vai andar.
Anatoliy Tkach, embaixador da Ucrânia no Brasil
Expectativas para os próximos meses na Ucrânia
Estamos esperando que, no próximo mês, tenha início uma nova escalada. Estamos nos preparando para isso. Nossos parceiros estão avaliando esse perigo e enviando equipamentos para a proteção do nosso país. É muito importante esse ponto porque a Ucrânia não está conduzindo uma guerra. Está se protegendo contra uma invasão estrangeira.
Economia da Ucrânia
Evidentemente que a guerra está provocando uma crise econômica no país. No ano passado, calcularam perdas de 30,4% do nosso PIB [Produto Interno Bruto]. Para este ano está previsto um deficit de US$ 38 bilhões. Muitas empresas sofreram, muitas foram realocadas dos territórios onde ocorrem ofensivas.
A economia foi danificada pelo bloqueio da Rússia aos portos da Ucrânia no Mar Negro.
Fornecimento de gás no país
Na verdade, o maior problema que temos na área de energia decorre de a Rússia ter adotado a estratégia de bombardear nossa infraestrutura energética. Esses bombardeios começaram antes do inverno mas, felizmente, este ano não está tão frio. Aproximadamente 50% da infraestrutura energética está destruída. Isso provoca apagões em todos os territórios da Ucrânia.
Sanções impostas à Rússia
A ideia era que, com as sanções, a Rússia não conseguisse dinheiro para continuar a guerra. Muitos países adotaram essas sanções. Com isso, estamos vendo que a Rússia está tendo dificuldades para a produção de equipamentos inteligentes militares, algo bastante importante para que, em um futuro próximo, se estabeleça a paz.
Interesse da Ucrânia em integrar a OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte]
A Ucrânia, desde a sua independência, começou tratativas com a OTAN, mas nunca tinha uma definição sobre o ingresso. O país, no ano passado, apresentou uma solicitação formal de ingresso. Assim como outros vizinhos, estamos vendo isso como a única alternativa, com o propósito de termos a segurança de que ninguém vai invadir o nosso país e matar os nossos cidadãos.
Risco de uso de armas nucleares
Nesse momento não estamos vendo a prontidão da Rússia para iniciar uma guerra nuclear porque, acredito, vai virar uma guerra global. A Rússia voltar a desenvolver armas nucleares é um sinal de continuação da chantagem nuclear. Repito, não é a partir de 2022, mas é a partir de 2014 que a Rússia está chantageando o mundo com as suas armas nucleares.
Relação Brasil-Ucrânia
O presidente Lula está condenando abertamente essa guerra que a Rússia iniciou. Estamos esperando uma ativação da nossa cooperação. Já ocorreram vários contatos. Nossa primeira vice-ministra visitou o Brasil para participar da cerimônia de posse do presidente Lula, com quem se reuniu. Houve também reunião de chanceleres, que estão mantendo contatos. O diálogo continua.
Proposta de Lula para mediação de paz
Oferecemos nossa “Fórmula da Paz”. Ele é abrangente e prevê todos os temas para resolver e terminar com essa guerra. Nosso plano está aberto para a participação de todos os países.