Espionagem do tráfico pela Abin de Bolsonaro ajudou a milícia no Rio? Por Leonardo Sakamoto

Atualizado em 6 de fevereiro de 2024 às 11:39
O ex-presidente Jair Bolsonaro e Alexandre Ramagem. (Foto: Reprodução)

Por Leonardo Sakamoto

Por que documentos sobre uma operação da Abin em comunidades do Rio foram encontradas pela Polícia Federal na casa do deputado federal Alexandre Ramagem, ex-diretor do órgão durante o governo Jair Bolsonaro? A informação, trazida a público, nesta terça (6), por Natália Portinari, do UOL, pode ajudar a explicar como o Brasil tentou virar uma República Miliciana entre 2019 e 2022.

Há evidências que indicam a relação da família Bolsonaro com as milícias – das condecorações dadas a policiais criminosos, passando pela base eleitoral em locais controlados pela milícia, como Rio das Pedras, e pela contratação de familiares de milicianos em gabinete na Assembleia do Rio até o alinhamento no discurso do justiçamento e da lei do mais forte.

Em junho de 2022, Rodrigo Rangerl no portal Metrópoles, já havia revelado que, sob Ramagem, a Agência Brasileira de Inteligência gastou recursos de sua verba secreta para pagar informantes em comunidades cariocas dominadas pelo tráfico de drogas nas quais as milícias tinham interesse de entrar – o chamado “Plano de Operações 06/2021”. Documento, agora, encontrado na casa do, hoje, deputado.

Agência Brasileira de Inteligência. (Foto: Reprodução)

Essa ação, tocada por policiais federais de confiança de Ramagem e, portanto, do bolsonarismo, era estranha às funções da Abin, que existe para suprir a Presidência da República de informações estratégicas. Neste caso, elas teriam sido repassadas a policiais do Rio. Para quê? Para ações estatais contra organizacões criminosas ou para ajudar milícias a tomarem o controle dessas áreas e, com isso, aumentar o curral eleitoral do bolsonarismo nas eleições?

Aliás, neste momento, no Rio, há disputas sangrentas pelo controle de áreas da Zona Oeste que fazem parte do espólio de Zinho, chefe da maior milícia do Rio, preso na véspera de Natal após se entregar à Polícia Federal. E, em um plano maior, acordos e disputas entre traficantes e milicianos.

O documento encontrado irregularmente na casa de Ramagem pode ser a ponta de um novelo de lã que termine mostrando a promiscuidade da gestão passada com a criminalidade. O que faria sentido.

Bolsonaro tentou implementar uma República em que as regras e normas que balizam a vida em sociedade fossem deixadas de lado em nome da lei do mais forte, ou melhor, do mais armado. E, ao invés do Poder Judiciário ser o responsável por julgar eventuais embates, ele assumiria essa função.

Tentou disseminar um projeto de sociedade miliciana, onde a Justiça é trocada pelo justiçamento. Na qual a mediação dos conflitos naturais em toda a sociedade é atacada em nome da possibilidade de cada um resolver da forma como melhor entender os seus problemas sem o “incômodo” de fiscais trabalhistas e ambientais, agentes da Polícia Federal e da Polícia Civil, juízes, desembargadores e ministros, deputados e senadores. Da Constituição.

Essa sociedade miliciana invadiu as sedes dos Três Poderes, em Brasília, em uma tentativa tosca e violenta de golpe de Estado porque havia sido devidamente autorizada por Jair para tanto, porque essas instituições foram contra o que decretou o tal líder supremo. Não queriam Justiça para o que achavam correto, queriam justiçamento, reequilibrando o universo com a força de suas próprias mãos.

Originalmente publicado na coluna de Leonardo Sakamoto, no Uol

Participe de nosso grupo no WhatsApp, clicando neste link

Entre em nosso canal no Telegram,clique neste link