“Esse governo decretou uma luta ideológica contra a cultura e as artes”, diz filha de Glauber Rocha

Atualizado em 24 de julho de 2019 às 16:03
Paloma Rocha, filha do cineasta Glauber Rocha

A inauguração do aeroporto de Vitória da Conquista (BA) foi um espetáculo tosco com a assinatura do governo biroliro.

Fechado por tapumes e voltado exclusivamente para uma plateia de puxa-sacos conduzidos para lá por ônibus fretados pelo prefeito, o evento revelou-se retrato fiel do oportunismo de Bolsonaro.

Do custo total da obra, quase 80% vieram do governo da Bahia. O restante foi proveniente de recursos federais repassados na gestão Dilma Rousseff. Resumindo, Jair Messias não tem 0,001% de participação ou responsabilidade sobre a empreitada.

O aeroporto leva o nome do cineasta Glauber Rocha, um dos principais nomes do cinema nacional, que nasceu em Vitória da Conquista. Seu nome não foi pronunciado nem uma única vez durante todo o evento.

O DCM conversou com a cineasta Paloma Rocha, filha de Glauber. Nem ela, nem o governador Rui Costa compareceram à inauguração.
Leia os principais trechos:

Sobre o oportunismo de Bolsonaro

“Não creio que tenha sido um oportunismo político próprio do Bolsonaro. A questão transcende. Tem a ver com a questão dos governadores do norte e nordeste que ele já vinha fazendo oposição. É uma luta política. As prefeituras de Vitória da Conquista e de Salvador apoiam Bolsonaro. Foi feita uma articulação política.”

Sobre Glauber Rocha ter sido ignorado

“Não sei se ele não falou no nome do meu pai porque não o conhece ou se foi avisado de que estávamos preparados. Na véspera tinha sido anunciado na imprensa que ele iria associar o nome de meu pai à ditadura brasileira por conta de um aperto de mãos que meu pai teria dado em Figueiredo na época das aberturas, mais ou menos em 1976. Entendi como uma provocação e preferi não responder. Falei com meus irmãos: deixa ele falar o que quiser, se difamar nosso pai a gente processa.”

Sobre a decisão de não comparecer à inauguração

“Estava em Salvador negociando com o governador Rui Costa a transferência do acervo digital do Glauber para acesso público porque o Templo Glauber, instituição fundada pela minha avó, foi despejado no governo Temer. Desde então procuro dar continuidade a este projeto de digitalização e acesso. Eu não preciso ficar fazendo confronto político com Bolsonaro. Nós estamos fazendo uma coisa mais importante do que ficar batendo boca. Glauber deixou 22 mil páginas escritas, 4 mil fotos, 400 desenhos, 284 projetos inéditos de roteiros, romances, peças de teatro, críticas cinematográficas. É o maior acervo reunido de um cineasta na América Latina. Tem uma pesquisa muito ampla para se fazer em torno da obra de meu pai no campo do audiovisual e da pesquisa, algo importante para formação de gerações futuras. A gente precisa confrontar com ações políticas. O que está no meu alcance não é ir lá jogar tomate.”

Sobre o governo Bolsonaro e a guerra cultural

“É um desmonte sistemático da Cultura na medida em que ele fecha o Ministério da Cultura, faz intervenção na EBC, ameaça fechar a Ancine. Intervir na Ancine significa o desmonte de toda uma indústria cinematográfica e de toda uma luta política do cinema brasileiro.

Tive a oportunidade de estar presente tanto nos comícios do PT quanto nos de Bolsonaro e pude entrevistar o povo para compreender esse imaginário popular que está completamente distorcido e que nem esquerda nem direita estão conseguindo compreender.

Vemos um país altamente contraditório que não se relaciona com nenhuma teoria exposta até o momento. Isso vem a afetar toda uma cadeia de produção vindoura de toda uma classe. Milhares de desempregos de técnicos, artistas, de todas as etapas de produção. Vejo isso como um desastre proposital para que não haja reflexão e para que haja, de fato, um desmonte na memória do país. Não é uma ação específica contra o cinema. É contra a educação, a cultura, a saúde, é na venda do país, na perda de direitos. É amplo demais. Não me atinge somente como cineasta, me atinge como cidadã brasileira, como mulher, como mãe e avó. Fico preocupada com o país que terão meus netos.

Esse governo decretou uma luta ideológica contra a cultura e as artes. É uma colonização cultural. Eles sabem que a melhor maneira de se colonizar um povo é destruindo sua cultura como fizeram com os negros, com os índios. Primeiro tira-se a cultura de um povo e depois se coloca uma religião no lugar. Deixando as pessoas inebriadas.”