Nem a Velhinha de Taubaté tinha dúvida sobre qual seria o tema do editorial do Estadão desta quinta, 11, um dia após Lula desnudar para o país e o mundo a desgraça que se abateu sobre o Brasil desde que Jair Bolsonaro tomou posse como presidente da República.
Nas duas primeiras palavras o diário da tradicional família Mesquita de Carvalho já comete o primeiro ato falho, tentando diminuir o ex-presidente a partir da exposição de seu sobrenome: “Lula da Silva”, escreve o editorialista, no afã de convencer seu leitor logo na largada de que carece ao ex-presidente o mínimo, ou seja, ‘berço’, para ousar tentar novamente um cargo que ele jamais poderia ter ocupado.
De resto, coloca Lula e Bolsonaro entre dois extremos e, acredite, sonha com a opção Doria, o marqueteiro que alçou o degrau da vida pública e se revelou o grande traidor do país: traiu Geraldo Alckmin, traiu São Paulo, traiu Bolsonaro – lembra do BolsoDoria? – e vai continuar traindo por ser essa a essência da sua natureza.
Ah, e tem também um chamamento a Luciano Huck, que o editorialista chama de ‘candidato feroz’ (pode rir).
Eis o Estadão sendo o Estadão no seu melhor estilo.
Não por acaso a família Mesquita de Carvalho já não exerce influência alguma na sociedade e o jornal está em vias de desaparecer do mapa.
Leia o editorial na íntegra e se divirta, se é que isso ainda é possível.
Lula da Silva e Jair Bolsonaro nunca desceram do palanque. O petista, nem quando esteve preso; o presidente, nem diante de uma pilha de mortos. Logo, os dois saem em considerável vantagem na disputa eleitoral de 2022, cuja campanha, totalmente fora de hora, começou no exato instante em que saiu o resultado da eleição de 2018.
Para enfrentá-los – e evitar que o País tenha que encarar no mínimo mais quatro anos de pesadelo –, as lideranças políticas, sociais e empresariais interessadas na democracia precisam urgentemente se organizar para construir, já, uma candidatura capaz de sensibilizar o eleitorado, em especial a parte – seguramente majoritária – que está farta da briga de rua em que se transformou a política brasileira nos últimos tempos.
Esse objetivo, que nada tem de trivial, implica necessariamente que as forças do centro democrático sejam capazes de deixar as vaidades de lado e costurar uma candidatura única. No atual cenário, quando há quatro ou cinco possíveis candidatos desse campo para disputar uma eleição, é porque não há nenhum.
Algo, contudo, parece ter se movido, especialmente depois que, por uma espantosa decisão judicial, o chefão petista Lula da Silva recuperou seus direitos políticos e deve ser candidato em 2022.
Em entrevista ao Estado, o governador de São Paulo, João Doria, que trabalha há tempos para se candidatar à Presidência pelo PSDB, disse que “nada deve ser excluído”, ao ser questionado sobre a possibilidade de seu partido apoiar um candidato de outra legenda. “Uma aliança pelo Brasil não pode estabelecer prerrogativas de nomes”, declarou Doria. Para o governador, “o fracionamento (de candidaturas de centro) só atenderá ao interesse dos extremos”, e o centro precisa de “juízo” – isto é, de “capacidade de dialogar, formular um programa econômico e social para o Brasil e escolher um candidato que seja competitivo para disputar a eleição e, ao vencer, governar a Nação”.
Outro político que já manifestou desejo de ser candidato, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, do DEM, foi na mesma linha do governador paulista quando disse ao jornal Valor que acredita na possibilidade de que seja encontrado ainda neste ano “o nome de quem vai levar a mensagem diferente das de Lula e de Bolsonaro”. Para Mandetta, agora é a hora de construir uma candidatura centrista “moderada” e “convergente”.
É evidente que Mandetta, como Doria e outros, pretende ser o cabeça de chapa dessa candidatura “convergente”, e é legítimo que acalente o projeto. Todos os que se julgam capazes de tirar o Brasil da rota do desastre, por meio de políticas públicas racionais e competentes, emanadas de um governo que respeite as liberdades e as instituições, devem se apresentar para a tarefa publicamente, o mais rápido possível.
Só assim será possível começar a discutir a sério quem, desses diversos postulantes, será o catalisador dos anseios dos brasileiros ajuizados, para construir uma candidatura capaz de emocionar os eleitores cansados tanto da corrupção antipolítica de Lula como da loucura antipolítica de Bolsonaro.
Aos que, como o apresentador Luciano Huck, vacilam diante da pugna eleitoral – que deverá ser especialmente feroz numa disputa que envolverá dois veteranos da desfaçatez e da truculência, Lula e Bolsonaro –, resta rogar que anunciem sem demora sua decisão, dizendo em voz alta o que pretendem para o País e preparando o estômago para, se for o caso, enfrentar o vale-tudo dos palanques.
O fato é que, a despeito das perspectivas sombrias, o País tem salvação – não obviamente pelo messianismo dos populistas autoritários e oportunistas que atormentam o Brasil há tempos, mas pelo respeito à lei, à coisa pública e à racionalidade econômica.
Seja quem for o candidato designado para enfrentar os arruaceiros da democracia, deve ser um que aposte no Brasil ordeiro e pacífico, capaz de ser o País civilizado e desenvolvido com o qual sempre sonhamos.