Estadão critica postura de Nunes Marques por festa com Gusttavo Lima: “Não pensou bem”

Atualizado em 26 de setembro de 2024 às 9:01
O ministro Kassio Nunes Marques e Gusttavo Lima: ambos foram a uma ilha de Mykonos, na Grécia, para comemorar o aniversário do sertanejo. Foto: Reprodução.

Em editorial publicado nesta quinta-feira (26), o Estadão afirma que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques não pensou bem ao comparecer ao aniversário do cantor bolsonarista Gusttavo Lima em um iate na ilha de Mykonos, na Grécia, acompanhado de convidados investigados por lavagem de dinheiro em casas de apostas. O magistrado viajou de carona no jato do Fernandin OIG das bets, seu “amigo pessoal”. O jornal destacou que um juiz deve se pautar pela cautela e, além de ser imparcial, é preciso aparentar imparcialidade:

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques está indignado. No dia 3 de setembro, Marques festejou o aniversário do cantor Gusttavo Lima em um iate na ilha de Mykonos, na Grécia, na companhia dos sócios de Lima na empresa Vai de Bet, o casal André Rocha e Aislla Rocha. À época, estava em andamento a Operação Integration, que investiga lavagem de dinheiro por casas de apostas. (…)

Indagado a respeito pelo jornal Valor, Marques afetou escândalo: “Cobrar de cada um de nós que saiba quem estará num aniversário ou qual dos convidados está sob investigação é surreal”. Tão acostumados estão os juízes com convites extravagantes, que o mero questionamento a respeito deles suscita irritação.

Há uma regra básica que distingue a discricionariedade entre trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos. Em seus ofícios, os primeiros podem fazer tudo o que a lei não proíbe; e os segundos, só o que a lei prevê. Analogamente, um cidadão comum pode participar das festas que quiser. Mas um juiz deve se pautar pela cautela: se não sabe quem estará lá, melhor evitar.

Não se trata de moralismo. Juízes têm direito às alegrias da vida privada. Mas, ao aceitar o serviço à Justiça, aceitam que essa vida seja regulada. A Lei da Magistratura exige uma “conduta irrepreensível na vida pública e particular”. Se nos casos concretos pode haver zonas cinzentas a propósito do que é ou não “irrepreensível”, na dúvida, convém optar pela moderação.

Kassio Nunes Marques, flagrado aplaudindo Gusttavo Lima no momento do parabéns ao cantor em iate na ilha de Mykonos, na Grécia. Foto: Reprodução

No direito, a forma é tão relevante quanto o conteúdo. As aparências importam. Não basta a um juiz ser imparcial, é preciso parecer. Não por acaso a judicatura é cercada de ritos, símbolos e figurinos – como a senhora vendada, a balança ou a toga preta – que representam a isonomia e a sobriedade necessárias à administração da Justiça.

A imagem do Judiciário vem se degradando na percepção popular, e uma das razões é a falta de compostura. Há muito a sociedade clama por regras que disciplinem o relacionamento dos juízes com advogados, políticos, empresários, parentes ou imprensa; que deem mais transparência às suas agendas; que limitem sua participação em eventos ou remuneração por palestras. Mas a resistência, a começar pelos ministros do STF, em adotar essas e outras regras de ética é suspeita. Como diz a sabedoria popular, quem não deve não teme.

Para preservar a independência dos juízes, a Constituição lhes outorga garantias como vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio. São prerrogativas justas e necessárias para que atuem livres de qualquer vínculo ou constrangimento. Juízes têm poderes especiais porque têm deveres especiais. Mas isso significa que têm também responsabilidades especiais: a parcimônia é uma delas.