Nesta quinta-feira (26), o Estadão publicou um editorial detonando o uso indecente do cartão corporativo pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O jornal destaca que o ex-capitão “jamais deu sinais de que sabia separar bem as questões de interesse público de seus interesses particulares” e classificou o “mau uso” como “mixórdia”:
A violação dos princípios da impessoalidade e da moralidade na administração pública, previstos no caput do artigo 37 da Constituição, foi uma constante no governo de Jair Bolsonaro.
A rigor, desde muito antes de ser eleito presidente da República, Bolsonaro jamais deu sinais de que sabia separar bem as questões de interesse público de seus interesses particulares, como se suas vitórias eleitorais tivessem o condão de transformar assuntos de Estado, de governo e de sua família em uma coisa só.
Alçado à Presidência, o mau uso por Bolsonaro do Cartão de Pagamentos do Governo Federal (CPGF), conhecido popularmente como “cartão corporativo”, é corolário dessa mixórdia. (…)
Foi uma faina, pois o papelório é armazenado fisicamente em pastas contidas em dezenas de caixas trancadas em um almoxarifado. (…)
Bolsonaro gastou milhões de reais por meio do cartão corporativo em eventos de pura autopromoção, como as tais motociatas que o então presidente promoveu País afora. Em nenhum desses passeios, realizados às expensas dos contribuintes, havia interesse público envolvido. Apenas o interesse político-eleitoral do então incumbente, em campanha permanente e ilegal pela reeleição. (…)
Nesses eventos privados, era comum o dispêndio de milhares de reais em lanches não só para os servidores do governo federal que acompanham o presidente da República durante viagens, como também para policiais que cuidavam da segurança das motociatas, militares baseados nas cidades onde ocorriam os passeios e socorristas.
O cartão corporativo não foi criado para isso. O uso do CPGF é regulamentado pelo Decreto 6.370/2008. Esse meio de pagamento se presta ao suprimento de fundos para a realização de “despesas eventuais que exijam pronto pagamento”. (…)
Mas, conforme a Controladoria-Geral da União, “embora não exista a obrigatoriedade de licitação, devem ser observados os mesmos princípios que regem a Administração Pública – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. As motociatas de Bolsonaro desrespeitam todos esses critérios.
Ilegal e indecente por si só, o uso do cartão corporativo para custear as motociatas pode ser o menor dos problemas de Bolsonaro. O Decreto 6.370/2008 veda o uso do CPGF na modalidade saque, salvo casos excepcionalíssimos. (…)
Portanto, além da flagrante violação da Lei Eleitoral, há indícios robustos de ato doloso de improbidade administrativa. Bolsonaro terá de ser criativo para se explicar.