O Estadão é um caso de autismo jornalístico que merece ser estudado com rigor.
Com o país virado de ponta-cabeça por um delinquente que o jornal ajudou a colocar no poder, e um Congresso prestes e recolocar a ‘turma de Eduardo Cunha’ nos comandos da Câmara e do Senado, o diário do Limão surge nesta segunda, 1, com um Editorial derramando baboseira sobre o papel institucional das duas Casas.
“O patamar moral e cívico dos presidentes de cada Casa deve ser especialmente alto”, diz em um trecho.
Oi?
Por acaso o jornal teve a curiosidade de saber o preço que o governo está pagando para pôr Arthur Lira e cia no comando da Câmara? Mandou um de seus repórteres verificar se Lira se encaixa nesse padrão ‘moral e cívico especialmente alto?’
O texto, na realidade, precisa ser lido nas entrelinhas.
Pouco importa ao Estadão os aspectos morais na condução dos trabalhos legislativos, tampouco o alinhamento da nova turma que vai tomar conta do Congresso com um presidente genocida e comprometido com a desgraça e a violência.
O que importa são os sinais emitidos pelo seu principal chefe: o Deus mercado.
Desde que as reformas, e o consequente desmonte dos direitos, e do Estado, estejam garantidos, o resto é detalhe.
O bem-estar na população, por exemplo.
O que importa, neste caso, é a manutenção no comando do Legislativo de um grupo que se comprometa e cumprir a agenda determinada pela nossa elite gananciosa e atrasada. E dane-se o resto.
Eis o texto para você se deliciar.
Hoje se cumpre um rito da máxima importância para o País: as eleições das Mesas Diretoras das duas Casas legislativas. “No terceiro ano de cada legislatura, em data e hora previamente designadas pelo Presidente da Câmara dos Deputados, antes de inaugurada a sessão legislativa e sob a direção da Mesa da sessão anterior, realizar-se-á a eleição do Presidente, dos demais membros da mesa e dos Suplentes dos Secretários”, estabelece o Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
Os presidentes da Câmara e do Senado têm importantes atribuições. Cabe-lhes, por exemplo, velar pelo respeito às prerrogativas das respectivas Casas e às imunidades dos parlamentares. São, assim, especiais garantidores da independência institucional estabelecida pela Constituição no seu segundo artigo: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Parte relevante das competências dos presidentes da Câmara e do Senado refere-se à pauta e ao funcionamento das sessões legislativas. Por isso, a funcionalidade, a agilidade e a responsabilidade do Legislativo estão diretamente relacionadas ao modo como os presidentes de cada Casa trabalham.
A Constituição também estabelece que, “em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal”.
Ante tão graves obrigações, impõe-se uma constatação. O patamar moral e cívico dos presidentes de cada Casa deve ser especialmente alto. Não deve pairar nenhuma dúvida ou sombra sobre suas trajetórias políticas e menos ainda sobre seus compromissos futuros. Por exemplo, um presidente da Câmara ou do Senado conchavado com o Executivo estaria renegando o juramento, feito no dia de sua posse como deputado ou senador, de defender a Constituição.
A presidência das Casas legislativas exige altivez. A harmonia constitucional não é submissão. Para o tão necessário equilíbrio institucional, é preciso que cada Poder seja de fato independente, sem conchavos e sem amarras.
“O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal”, dispõe a Constituição. E o Regimento Interno da Câmara estabelece, por exemplo, que o seu presidente, além de supervisionar os trabalhos e a ordem da Casa, representa a Câmara quando ela se pronuncia coletivamente. Quem ocupa o cargo já não fala apenas em nome de seus eleitores ou de seu partido, ou mesmo de um grupo de deputados. O mesmo se dá no Senado. Ou seja, as duas presidências não são cargos talhados para quem pratica a política pequena.
Mais do que eventual afinidade de interesses políticos, os votos que deputados e senadores darão hoje devem expressar, assim o exige a Constituição, compromisso com a independência e a autonomia do Congresso. Não cabe ignorar a insistente e despudorada tentativa do Palácio do Planalto de colocar o Legislativo de joelhos, como se vassalo fosse.
O País acompanha muito de perto as sessões de votação de hoje. São tempos difíceis, nos quais o Congresso tem a responsabilidade de enfrentar com determinação os problemas e entraves nacionais.
Há importantes reformas a serem realizadas. Há urgência de um novo equacionamento das contas públicas. Existem muitas frentes – na educação e saúde, especialmente – à espera de lideranças públicas competentes. E há, como poucas vezes se viu, a premente necessidade de um Poder Legislativo que exerça, sem descanso e sem hesitação, o seu dever constitucional de fiscalização e controle do Executivo.
Não merece voto, portanto, quem, de antemão, já prometeu ficar calado – assegurou encolhimento – perante os arroubos, confusões e omissões do presidente da República. A Constituição exige do Congresso outro papel, muito mais nobre, responsável e comprometido com o interesse público. É hora de preservar a independência e a autonomia do Legislativo.