Talíria Petrone, 33 anos, foi eleita deputada federal do Rio de Janeiro pelo PSOL com 107.317 votos e compõe a maior bancada feminina da história da Câmara dos Deputados.
Em 2016, foi a vereadora mais votada em Niterói, onde nasceu. Durante um ano, foi a única mulher na Câmara do município.
Formada em história pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), trilhou sua carreira na educação popular. Deu aula na rede estadual de ensino e também em um curso pré-vestibular comunitário da favela da Maré.
Talíria é apontada por muitos como herdeira política de Marielle Franco, sua amiga pessoal e companheira de luta. Militante socialista, negra e feminista, Petrone tem os direitos humanos, questões de gênero e raça como suas principais bandeiras.
Em entrevista exclusiva ao DCM, a deputada fala, entre outras coisas, sobre a relação com a vereadora e seus projetos para a Câmara.
Leia na íntegra:
DCM – Como você se aproximou da política partidária?
Talíria Petrone – A minha escolha pela minha profissão, que é professora, foi uma escolha da educação como instrumento de transformação da realidade. Eu dei aula em lugares muito pobres, onde havia ausência do Estado, de fato confirmei que a educação é um instrumento de transformação, mas acaba sendo limitado. Um pouco do que era o mundo se reproduzia ali dentro da escola.
Então, senti uma necessidade maior de me organizar para além da minha atuação no espaço escolar. Já gostava do PSOL e, em 2010, decidi me filiar para que eu pudesse enfrentar de uma forma mais estrutural os problemas da sociedade.
DCM – Durante um ano, você foi a única vereadora mulher na Câmara de Niterói. Como foi a experiência? Foi um desafio?
TP – Sem dúvidas. A política carrega duas esferas que nos foram negadas historicamente: é um espaço público e um espaço de poder. Era como se fosse um não lugar, ali, em uma cidade que é muito feminina, com muitas mulheres, mas uma cidade que não tinha a maioria desse povo representada.
Era uma sensação de não lugar, mas ao mesmo tempo de ter que estar ali, assim como eu sinto agora no Congresso.
DCM – Você já recebeu ameaças durante seu mandato de vereadora?
TP – Dois temas [abordados por mim] despertavam muita reação nas redes sociais e fora delas: tanto a nossa defesa do ensino de gênero na escola e o direito das mulheres amarem, a causa LGBT, quanto o debate de enfrentamento a um Estado policial e racista.
Isso gerava reações nas redes do tipo gente me chamando de “negra nojenta”, me mandando “voltar para a senzala”, coisas do tipo “merece uma 9mm na nuca”, “se eu encontrar na rua, está acabada”. Até coisas mais concretas, logo depois que fomos eleitas, um homem armado foi até a sede do PSOL, teve uma pessoa que ligou por 8 horas seguidas na sede me ameaçando. Então, foi esse tipo de coisa que enfrentamos ao longo desses anos, mas estamos aí na resistência.
DCM – Você faz parte da maior bancada feminina da história da Câmara dos Deputados. Como você, enquanto deputada, contribuirá para que mais mulheres cheguem aos espaços de poder?
TP – Eu acho muito importante que a gente aproxime a política da vida do povo. Política é preço do pão, preço do ônibus, se tem creche ou não, se tem condições em hospitais para atender os idosos… e todas as pessoas que ficam à frente destas responsabilidades são mulheres.
Então, acredito que tem que aproximar mais a política da vida cotidiana das pessoas e, assim, a gente consegue aproximar também as mulheres da política. É importante que o corpo da mulher negra, trabalhadora, de periferia, esteja representado nesses espaços de poder. Porque, se não, as experiências que as mulheres vivem são apagadas, anuladas.
Por isso, inclusive, que tenho muito orgulho de fazer parte desta bancada, que é paritária, que tem uma grande diversidade regional.
DCM – Durante a campanha, você foi vítima de violência policial. O que você acha que motivou este episódio?
TP – Foram alguns episódios, mas esse foi o mais marcante, que foi um policial que inventou, esta é a palavra, que a gente estava panfletando na barca e de forma muito violenta pegou nossos materiais. Ele jogou meu celular no chão, apontou uma arma no meio da barca…
Isso, para mim, é a expressão de um incômodo a uma linha política de denunciar a violência de policiais que matam os filhos de mulheres negras, de denunciar que estamos vivendo um momento autoritário com a ascensão do Bolsonaro, de denunciar o discurso de ódio dessas pessoas. Esse policial é a expressão daquilo que a gente quer enfrentar: o ódio como política e como saída para os problemas do Brasil.
DCM – Conte um pouco de sua relação com Marielle. Vocês se conheceram já na política?
TP – A gente se conheceu na Maré, eu era professora lá e a Mari já era militante dos direitos humanos. A gente já era do PSOL, mas nossa relação se estreitou mesmo na Maré e depois quando decidimos lançar nossas candidaturas. Passamos a ficar muito próximas no nosso cotidiano, trocando experiências, angústias…
DCM – Vocês decidiram juntas lançar as candidaturas, certo?
TP – Isso. Eu tomei a decisão um pouco antes, mas também já com a perspectiva da Marielle ser candidata aqui no Rio. Foi uma decisão importante de ambas. Embora eu fosse a única vereadora mulher em exercício em Niterói, a parceria com a Mari me ajudou a enfrentar esta tarefa.
DCM – Acredita que os culpados pela morte de Marielle serão punidos? O que espera da investigação?
TP – Eu acho que antes de tudo, eu prefiro usar o termo “responsabilização”. A punição é algo que a Marielle detestaria ouvir em nome dela, é algo sempre usado para quem é negro e pobre.
Acho que eles têm que ser responsabilizados, não podemos sossegar enquanto isto não ocorrer. A execução da Mari é uma prova de que a democracia brasileira vai muito mal, uma democracia jovem, incompleta, que nunca havia chegado às favelas e periferias.
O Estado brasileiro tem sangue nas mãos e tem obrigação de oferecer ao povo a resposta de quem mandou matar Marielle. Não porque ela era uma pessoa especial, diante de outras, mas porque ela foi assassinada justamente porque denunciava a violência contra tantas outras pessoas por parte do Estado.
Eu espero que esse caso seja resolvido, e enquanto não for, a gente não sossega até nos darem essa resposta.
DCM – Você é colocada como herdeira política de Marielle, como encara o título? Se sente na responsabilidade de carregar as pautas que ela defendia?
TP – Não, porque eu acho que não existe isso de herdeira política. Eu acho muito perigoso falar sobre herdeira política, porque a Mari foi morta. Conseguiram interromper o corpo dela com a execução política.
Então, o que existe são muitas mulheres (e não apenas eu) que, de alguma maneira, representam um levante de mulheres negras, que é um dos maiores da história recente do país. A execução da Mari trouxe para nós um senso de urgência que acho que fez com que a gente se levantasse com mais força.
Não sinto a responsabilidade de herdeira, porque não considero que eu seja. Mas, sinto a responsabilidade de não deixar, por um dia sequer, em silêncio as pautas que a Marielle defendia com tanta força, como mulher, negra, favelada, LGBT.
DCM – Até porque essas pautas são de todas as mulheres negras, não só de Marielle…
TP – Isso, com certeza. Essa é a forma de Marielle viver, não esquecer que o corpo dela foi interrompido, mas compreender que as lutas que ela encampava continuam vivas.
DCM – Você enfrentou alguns episódios de racismo no Congresso. Como isso aconteceu?
TP – Das quatro semanas que estivemos lá, foram só dois dias em que não aconteceu de me barrarem nos espaços exclusivos para parlamentar. A gente costuma dizer que está muito incomodado de falar sobre isso toda hora, a gente fez tanta coisa, trabalhou tanto… mas, ao mesmo tempo, precisamos denunciar.
Eu fui barrada na porta do Congresso, na entrada do plenário, em elevador privativo, mesmo com o bottom de parlamentar.
É um estranhamento ao nosso corpo naquele lugar tão masculino, embranquecido. Então, vivencio lá o que é ser mulher e negra na política. Mas, isso só dá mais convicção de que temos que estar lá e disputar aquele espaço.
DCM – O que podemos esperar de seu mandato como deputada federal?
TP – Antes de tudo, temos que barrar essa reforma da Previdência, que é o aprofundamento das violências contra o povo negro e trabalhador. Ninguém trabalha 40 anos com carteira assinada, ou seja, o povo brasileiro, a maioria negra e pobre, não vai se aposentar.
Outra coisa é enfrentar o aprofundamento do Estado penal. Precisamos construir um outro modelo de segurança pública, que respeite os Direitos Humanos, incidir sobre a regulamentação das drogas, porque isso é usado como justificativa para matar o povo preto e tentar a ampliação dos direitos do povo de favela. Isso passa por valorizar os policiais, ter um outro modelo de polícia, desmilitarizada. Então, vamos seguir nessa área com muita força também.
Isso tudo somado à garantia de uma educação plural, que é uma área que eu milito há tantos anos. Esses são os principais eixos do nosso mandato.