“Estamos batalhando para isso”, diz cientista sobre pressão para cancelar evento em Paris do governo Bolsonaro

Atualizado em 30 de maio de 2019 às 18:20
Arkan Simaan e o cacique Raoni em Paris

Começou a pressão para que seja cancelado o encontro no próximo dia 5 de junho em Paris entre o governo Bolsonaro, representado pelo general Santos Cruz, a CNI (Confederação Nacional das Indústrias) e MEDEF, a organização patronal francesa. Arkan Simaan, 74 anos, é um dos ativistas que pressiona pelo cancelamento.

Co-fundador da ONG Planète Amazone, que milita pela causa indígena e a preservação da Amazônia, ele espera que Paris siga o modelo de Nova York, onde a pressão de vários setores da sociedade civil e política fez com que uma premiação comercial a Bolsonaro fosse anulada.

Ele convoca a prefeita Anne Hidalgo, os líderes da esquerda francesa e o partido do presidente Emmanuel Macron a tomarem uma medida. Mas é pessimista quanto ao último, que chama de “hipócrita”, falsamente interessado na questão ambiental, numa referência ao encontro com o Cacique Raoni nas últimas semanas. Nascido no Líbano, naturalizado brasileiro, Arkan viveu no país até os 25 anos, quando perseguido pela ditadura militar, refugiou-se na França e fez carreira como físico.

Nos últimos anos, sua militância se direciona ao meio ambiente, o que passa pela denúncia do governo Bolsonaro. Ele fala de um possível protesto, da flexibilização do porte de armas e dos interesses franceses no Brasil e da reação dos europeus a Bolsonaro.

Cacique Raoni esteve em turnê pela Europa, encontrando chefes de estado como o papa e Emmanuel Macron. Como você vê essa passagem?

Raoni encontrou o Papa e encontrou o Macron. Ele estava sendo acompanhado pelo Jean-Pierre Dutilleux, que denunciamos nas nossas publicações. Jean-Pierre Dutilleux é uma pessoa que tem costume de não traduzir corretamente o que ele diz e de não restituir para os povos indígenas a totalidade do dinheiro arrecadado. Então nós não estamos organizando essa rodada. Mas nós organizamos as anteriores, desde 2012. A última que ele fez foi há uns três anos.

Como você interpreta que algumas semanas depois desse encontro haja um evento convidando apoiadores da campanha de Bolsonaro e seu governo?

Eu tenho a impressão, em primeiro lugar, que a descoberta que o Macron é ecologista é recente, é uma revelação recente. O Espírito Santo desceu no Macron recentemente. Ele não era tão ecologista dessa maneira porque o ministro mais importante que ele teve da ecologia saiu do ministério justamente porque o Macron não dava meios para poder desenvolver uma política ecologista.

Como a sensibilidade ambientalista está se desenvolvendo muito na França e a maior prova é que nas últimas eleições nós tivemos uma surpresa, na qual o partido ambientalista obteve o terceiro lugar, com 13% dos votos, o Macron sabe que se ele quiser ter um futuro e poder ganhar as eleições presidenciais de 2022, ele vai que colorir um pouco em verde a política dele. Então ele descobriu que é ambientalista.

Ele descobriu que precisava criar um banco com 1 bilhão de euros para poder desenvolver a política ambientalista, esquecendo que esse banco já existe. Ele fez uma comissão para discutir o meio ambiente esquecendo que outras comissões com a mesma pauta já existem. Tudo isso é uma hipocrisia da parte de Macron.

O governo continua funcionando como funcionava até então. Essa reunião do MEDEF Internacional com o CNI aqui na França está sendo preparada há muito tempo. O Ministério da Economia está dando o amparo. Um dos lugares mais importantes de investimento hoje, desde a vitória do Bolsonaro e da liberalização da economia que o Paulo Guedes está promovendo, é o Brasil. Nosso objetivo é proteger a Amazônia, os povos indígenas que existem na Amazônia.

Como está sendo a resistência a esse evento?

Nós publicamos uma coluna no jornal Libération. Nossos meios são os das redes sociais. Estamos recebendo respostas favoráveis, é possível que um movimento seja organizado no dia e no local onde está prevista a reunião (a sede do Ministério da Economia, em Bercy, Paris). Eles são capazes inclusive de mudar a reunião de local. Um ato de protesto. Eu não tenho certeza que vão sair às ruas um milhão de pessoas, não posso garantir. Talvez haja militantes, pessoas mais convencidas, ativistas que estejam presentes.

As chances de cancelamento são grandes ou pequenas?

Isso depende do eco que vai ter essa coluna (no Libération). Se a grande imprensa, se as redes sociais se mobilizarem, é possível que eles façam essa reunião de maneira mais clandestina. Mas eu não tenho impressão que ela seja anulada. Pra ser cancelada como foi em Nova York é preciso que autoridades muito mais altas se manifestem, como os presidentes de partidos…

Ou a prefeita de Paris?

A prefeita de Paris, por exemplo. Se ela se manifestar contra esse evento, se houver protestos contra esse evento vindo de Yannick Jadot (líder do partido ecologista em terceiro lugar às eleições ao Parlamento europeu). O que precisa é pessoas que têm muito mais peso que ele tem. Tem que ter pressão do partido do governo, mas eles têm outra coisa na cabeça agora.

Talvez se vier alguma coisa do Mélenchon, é possível que possa haver mais peso. Eles estão todos envolvidos em balanços porque perderam as eleições. Há balanços muito drásticos a serem feitos nesse momento. Para eles, essas questões são acessórias.

Vamos ver. Se a coluna foi feita é porque temos uma esperança que isso possa acontecer. Mas se não acontecer dessa vez, outras reuniões vão acontecer. Essa não vai ser a única. E aí vamos poder preparar melhor ainda para poder perturbá-las. Porque a indústria francesa está muito ligada às atividades no Brasil. A maior parte das barragens, Belo Monte, Girau, teve participação de empresas francesas, subsidiárias, terceirizadas… As empresas francesas estão muito envolvidas na construção de grandes equipamentos no Brasil.

Você disse que o governo tem outras coisas na cabeça. Que coisas?

Eles acabaram de perder as eleições europeias. E não perderam muito feio. Deveriam ter perdido muito mais feio do que isso. Num incêndio, conseguiram salvar os móveis. O partido do governo obteve 22% dos votos. Não é nada, principalmente para o partido do governo, um partido novo, um governo eleito há pouco tempo. Nós estamos saindo na França de uma crise muito grande, a dos coletes amarelos.

Essa crise, na verdade, ainda continua existindo, uma crise que dura há mais de seis meses. Além disso, esse governo teve um problema com um assessor do presidente da República, que no ano passado agia nos meios policiais como se fosse um policial, como se fosse uma milícia privada. Tudo isso enfraqueceu a imagem do governo para a população. Imaginavamos que o governo ia perder essas eleições ainda mais feio, mas ele conseguiu salvar, como ele disse, os moveis.

No Brasil, as ONGs que tinham parceria estatal são impactadas com corte de verbas do governo. Na França, o relato é semelhante sobre o mundo associativo. É o caso de vocês?

Nós não dependemos de nenhum tostão do governo. Aqui, as ONGs que dependem do governo são mais ONGs caritativas. As ONGs ambientalistas não dependem muito do governo, dependem mais da generosidade do público. A única generosidade que existe do governo é que se houver uma doação para a nossa organização, essa doação pode ser abatida da declaração do imposto de renda.

Como você percebe a relação entre a flexibilização do porte de armas e as relações entre fazendeiros e indígenas no Brasil?

A flexibilização de armas no Brasil é uma questão muito mais ampla que a questão indígena. Há muita gente que gostaria de ter armas porque não se sentem em segurança, mesmo nas cidades. Mas a flexibilização vai ser mais importante para os fazendeiros e os que invadem as terras. Porque tem muita terra que é contestada, terra indígena que é contestada. A Constituição de 1988 dizia que em cinco anos todos os indígenas que podiam provar que tinham uma vida ou que era a terra tradicional desses indígenas deveria ser delimitada e demarcada. Quer dizer que em 1993, tudo isso deveria ter sido terminado. Mas você sabe como é no Brasil; tudo demora. Até hoje essas terras não foram delimitadas por razões múltiplas.

Também houve um obstáculo político. O primeiro obstáculo político foi o do governo do Lula. O governo Lula inventou o Plano de Aceleração do Crescimento, que foi seguido pela Dilma, que queria um desenvolvimento do Brasil em cima das terras virgens, da Amazônia, da natureza brasileira, a ponto que a Dilma autorizou a modificação do Código Florestal para isso. Várias terras indígenas haviam sido ocupadas por fazendeiros, que muitas vezes tinham títulos ilegais de propriedade. Havia um conflito entre duas legislações; uma que era constitucional, que exigia que as terras fossem devolvidas para os indígenas, e outra legislação, também constitucional, que protegia quem tinha título de propriedade.

Isso dificulta muito. Pra poder retirar esses fazendeiros desses lugares, era preciso ter uma indenização correta. Essa indenização nunca foi liberada pelos governos. Algumas demarcações não puderam ser realizadas por causa disso e principalmente no estado do Mato Grosso. Tudo isso foi gerando conflitos muito grandes. Há conflitos enormes entre os guarani-kaiowá no Mato Grosso e os fazendeiros que ocupam as terras porque eles têm título de propriedade.

A obtenção e liberação de armas vai ser principalmente utilizada por esses fazendeiros, para proteger as terras deles. São eles que vão ser os principais beneficiários dessa legislação. Há 64 mil mortes no Brasil por ano, então é normal as pessoas quererem se defender. “Se o Estado não é capaz de me defender, então que eu me defenda sozinho”. Esse sentimento existe no Brasil, não se deve negá-lo. Mas não serão eles os maiores beneficiários.

O STF e o Congresso vão tentar limitar a flexibilização do porte de armas na cidade, mas quando for no campo há milhares de razões “razoáveis” para poder justificar que esse pessoal tenha armas, nem que seja para poder dizer que tem animais selvagens, perigosos e é preciso se armar contra eles. Mas a utilização dessas armas vai ser utilizada principalmente contra os povos indígenas.

A comunidade internacional tem consciência dos ataques de Bolsonaro ao meio ambiente, povos indígenas e quilombolas?

Depende de quem você fala. As pessoas não estão sabendo. A cada vez que falo com elas, elas se assustam e dizem: “como é possível que ninguém fale isso?” De uma maneira geral, no exterior, os fatos que são mais conhecidos a respeito do Bolsonaro são os que chocam aqui na Europa, a discussão que ele teve com a Maria do Rosário, dizendo que ele não a estupraria. Isso chocou muito aqui na Europa. As afirmações homofóbicas também chocam muito aqui. Mas as violações feitas contra os povos indígenas são menos midiatizadas e são menos conhecidas. Há grupos de pressão e grupos de informação que se interessam pelas questões da homossexualidade e da defesa das mulheres que são muito ativos.

O que vocês têm feito na direção de conscientizá-la?

Nós não temos meios governamentais, não temos dinheiro. Somos uma pequena organização. Mas há várias organizações como a nossa ou maiores que a nossa. O que podemos fazer mais do que denunciar e petição? Poderiam fazer manifestações aqui na França, mas quando se trata de uma violação de direitos num país estrangeiro, o que podemos fazer? Recolhemos dinheiro às vezes e enviamos para um povo indígena comprar um equipamento, vigia sua terra e ajudar na demarcação. Além disso, nossos meios são muito limitados.