Woody Allen gosta de desmascarar os mitos que evoluíram em torno dele. Ele gosta de dissipar qualquer sugestão de que seja um cineasta brilhante. Insiste que ele não é nada como seus personagens na tela. Nega ser um intelectual. Todas essas afirmações são igualmente verdadeiras e falsas, porque Allen é um neurótico complexo que funciona com base na recusa permanente de seu próprio gênio.
Allen também se encontra no meio de um renascimento artístico que começou em 2005 com o aclamado “Match Point” e, desde então, fez o “Vicki Cristina Barcelona”, bem como “Meia-Noite em Paris”, o maior sucesso de bilheteria de sua carreira, que faturou mais de 150 milhões em todo o mundo e rendeu-lhe seu quarto Oscar, de melhor roteiro original. No ano passado, com “Blue Jasmine”, Allen viu sua protagonista Cate Blachett ganhar um Oscar de melhor atriz.
Seu novo filme, “Magia ao Luar”, é uma brincadeira que deve muito de seu charme a suas estrelas Colin Firth e Emma Stone. Passado no sul da França na década de 1920, tem Firth no papel um mágico afável contratado para desmascarar uma vidente (Stone), mas em vez disso se apaixona por ela e começa mesmo a acreditar em seus dons sobrenaturais.
Oito dos nove últimos trabalhos de Woody Allen foram filmados na Europa em oposição à sua terra natal, Nova York, seu epicentro criativo original (a exceção é “Blue Jasmine”, cujo cenário é San Francisco).
“O trabalho é uma grande distração”, diz Allen. “Se eu não estivesse fazendo um filme, eu estaria sentado em casa obcecado com o quão terrível é a vida. Estou sempre em processo de escrever um novo roteiro, promovendo um filme, ou filmando um. Tive a sorte de ser capaz de manter o ritmo na maior parte da minha vida. Trabalhar na Europa também permite que eu e minha família passemos os verões em lugares muito bonitos e interessantes”.
Na entrevista que se segue, Woody Allen fala sobre cinema, escapismo, o sucesso recente e sua vida doméstica no casamento de 14 anos com Soon-Yi Previn, filha adotiva de sua ex-namorada Mia Farrow. Eles vivem em um triplex no Upper East Side, em Nova York, com suas duas filhas adotadas, Bechet, 14, e Manzie, 13, ambos os nomes em homenagem a músicos de jazz.
Por que filmar na Europa?
Eu amo trabalhar lá. Quando fiz “Match Point”, estava planejando filmar em Nova York, mas teria sido muito caro. Então eu mudei o cenário para Londres e funcionou muito bem. Se eu tivesse opção de escolha, preferirira Nova York porque eu vivo lá, posso ir para casa depois do trabalho, e não preciso me preocupar se o serviço de quarto é lento ou em ter que dar indicações para um casal de turistas da Lituânia que se perdeu no caminho para o hotel.
Como você consegue fazer um filme por ano?
Estou muito feliz por ter sido capaz de trabalhar em um ritmo confortável. Dirigir não é tão difícil e escrever é muito fácil para mim. Eu escrevo rapidamente e não agonizo sobre o meu trabalho ou passo meses e meses reescrevendo. Eu tenho um ofício muito mais simples do que o de um policial ou um professor e vivo exatamente do jeito que eu gostaria. Eu assisto filmes, passo noites com minha esposa e filhos, vou a jogos de basquete e costumo passar o verão em belas cidades como Londres, Roma ou Paris fazendo filmes. Não é uma vida dura.
Mas você ainda insiste que a vida é uma luta existencial?
Eu sobrevivo me distraindo. É uma fuga, eu sei, mas funciona. Olhe quantas pessoas se distraem assistindo a programas de TV terríveis ou assistem esportes e investem tanta energia nisso. Você tem que ficar repetindo esse padrão e confortar-se com estas interrupções maravilhosas da realidade. Eu continuo a fazer filmes na esperança fútil de realizar uma obra-prima, embora eu saiba que a maioria dos meus filmes são falhos.
Você fazia alguma idéia de como Colin Firth iria se dar tão bem com Emma Stone em “Magia ao Luar”?
É impossível saber de antemão, mas geralmente com atores muito bons eles são capazes de fazer a história funcionar. Com Colin e Emma, eu tive pouca interferência. Saí do caminho e deixei-os em paz.
No passado, eu costumava ser mais insistente para os atores seguirem os diálogos no script.
O sucesso financeiro dos últimos anos não permite que você volte a Nova York?
Não, porque é muito mais caro filmar lá. Se eu tenho um orçamento de US$ 15 milhões ou US$ 18 milhões, eu sei que esse dinheiro vai muito mais longe na Europa. Os atores que trabalham comigo estão dispostos a receber uma pequena fração do seu salário habitual porque eu não posso pagar-lhes o que eles normalmente ganham. Eu continuo trabalhando na Europa porque recebi ofertas de financiamento para filmar lá.
Você acha que você está no meio de um renascimento na carreira?
Não estou feliz apenas por ser capaz de continuar a trabalhar. Já há muito tempo desisti da idéia de que posso aspirar a fazer um filme que, um dia, esteja à altura de um Kurosawa, Fellini ou Bergman.
Estou constantemente decepcionado com o meu trabalho, apesar de gostar de “Match Point”, pois o resultado final é muito parecido com o que eu queria quando escrevi o roteiro. Mas isso não é geralmente o caso. Mesmo os filmes geralmente considerados meus melhores – “Annie Hall” e “Manhattan” – são muito diferentes do que eu pretendia. “Annie Hall” era para ser uma série de memórias e tornou-se uma narrativa mais tradicional. Eu odiava tanto “Manhattan” que eu tentei comprá-lo de volta do estúdio por US$ 1 milhão. Eu tentei uma segunda versão, que não era muito melhor que a primeira.
Então como você explica o seu sucesso como cineasta?
Eu tenho muita sorte. Pude divertir as pessoas, escrever piadas e contar histórias que de alguma forma interessaram as plateias. É por isso que um dos principais temas em muitos dos meus filmes é o elemento da sorte.
As pessoas não gostam de admitir que muito de seu sucesso na vida é devido ao puro acaso. Elas preferem acreditar que são brilhantes, que seu trabalho é o que lhes valeu o seu sucesso. Mas quantas pessoas trabalham tão duro, com tanto talento, e não se dão bem? A maioria das pessoas se recusa a admitir que grande parte da vida gira em torno de ser sortudo porque isso prejudicaria a sua identidade. Eu sempre entendi que eu tenho muita sorte.
A felicidade depende de sorte?
São coisas diferentes. Felicidade depende muitas vezes de ignorar as coisas terríveis que acontecem na vida e se concentrar apenas nas boas que você quer ver. As coisas raramente funcionam do jeito que esperamos. Estamos muitas vezes decepcionados com nossos relacionamentos amorosos. A maioria de nós não nos sentimos realizados criativa ou intelectualmente em seus trabalhos. Mas alguns têm uma maneira de superar ou ignorar convenientemente essas duras realidades e se iludir que estão felizes. Todos nós fazemos isso, e eu sou a última pessoa a criticar qualquer um que seja capaz de sustentar isso.
Minha maneira de lidar com essas verdades, como o envelhecimento, como não viver de acordo com minhas próprias ambições, é continuar a trabalhar, assistir a jogos, ir ao cinema. É a minha maneira de me iludir e me manter ocupado para que eu não me desespere com o lado mais sombrio das coisas. Eu posso correr na minha esteira todos os dias e comer alimentos saudáveis, mas, no final das contas, o ceifador virá me buscar.
Muitos de seus filmes, como “A Rosa Púrpura do Cairo” ou, mais recentemente, “Meia-noite em Paris”, têm esse elemento da fantasia. A fantasia importante para você?
A vida real é geralmente muito maçante e, inevitavelmente, triste a maior parte do tempo. No filme, você controla tudo o que está acontecendo, para que você possa desfrutar das fantasias escapistas mais fantásticas, românticas, sentimentais. Você pode fazer o que quiser.
É por isso que ganho a vida fazendo filmes. Você não está vivendo no mundo real. Você acorda de manhã e vai para o trabalho cercado por belas mulheres e caras charmosos, gente talentosa, e pode inventar histórias com uma música linda. É ótimo, mas não é real. É divertido de fazer. O único lugar que você pode ser feliz é na ficção.
Outro dos temas recorrentes em seus filmes é a incapacidade de encontrar o parceiro certo. A maioria das pessoas está condenada a nunca encontrar o amor da sua vida?
Muitas vezes as pessoas se apaixonam pela pessoa errada. Há tantas variáveis em jogo que os seres humanos tendem a se contentar com menos do que o seu ideal ou esperamos que nosso coração esteja nos levando na direção certa, apesar de que muitas vezes não é o caso.
Meu ponto é que as pessoas seguem seus corações ao invés de suas cabeças, o que significa que se apaixonam por razões que muitas vezes não conseguem explicar. Ou, pior ainda, se apaixonam por alguém que é completamente errado em cada nível prático. Muitas vezes não conseguimos encontrar a harmonia com outra pessoa porque cada parceiro tem seus próprios desejos conflitantes e impulsos. O que torna as coisas ainda piores é que às vezes esses desejos mudam com o tempo. De repente você para de amar uma pessoa e não pode explicar por que, mas isso acontece.
Sua mulher Soon-Yi se envolve em seu trabalho?
Ela me diz o que pensa, mas não tem visto que muitos dos meus filmes. Nossa vida juntos é separada do meu trabalho no cinema.
Seus filhos assistem seus filmes?
Não, eu prefiro mostrar-lhes os irmãos Marx ou alguns dos antigos clássicos que têm algum sabor romântico. Eu nunca mostrei-lhes os meus filmes porque não quero que eles se refiram constantemente a essa parte da minha vida. Eu quero que eles me vejam como seu pai e não como uma celebridade.
Depois de 46 filmes, você se sente que entende mais da vida ou ainda é uma confusão existencial?
Eu não acho que podemos encontrar um significado profundo ou compreender os elementos importantes na vida. Nós ainda estamos lutando com as mesmas perguntas que os maiores filósofos fizeram — dos gregos até Kierkegaard.
A felicidade é uma aspiração legítima na vida?
É uma ilusão legítima.