“Eu frequentei a casa dos suspeitos dos atentados”

Atualizado em 23 de abril de 2013 às 9:17

O depoimento de uma professora de ioga, cliente da esteticista Zubeidat Tsarnaeva, revela a convivência difícil entre duas culturas.

Zubeidat Tsarnaeva
Zubeidat Tsarnaeva

Alyssa Lindley Kilzer é uma escritora e professora de ioga de 23 anos radicada em Boston. Alyssa tem um blog chamado Fides. Escreveu, recentemente, sobre sua experiência com uma esteticista facial. Durante anos, Alyssa recebeu massagens na sala da casa de Zubeidat Tsarnaeva, mãe de Tamerlan e Dzhokhar, os suspeitos dos atentados. Seu post, inevitavelmente, acabou sendo reproduzido na internet – e ela foi acusada, entre outras coisas, de cumplicidade e oportunismo.

Alyssa diz que sua intenção foi dividir a história e talvez lançar algumas luzes sobre o ambiente em que os irmãos cresceram. Provavelmente quis, também, pegar uma carona na tragédia.

“Gostaria de enfatizar que Zubeidat parecia uma mulher trabalhadora e uma mãe amorosa para Tamerlan e Dzhokhar e suas duas filhas, e que Dzhokhar parecia um adolescente normal sempre que o via”, diz. Seu depoimento traz uma visão sobre o background dos Tsarnaev – e sobre um conflito latente e uma convivência difícil entre duas culturas, a americana e a dos imigrantes de tradição muçulmana.

Eu comecei os tratamentos faciais com Zubeidat Tsarnaeva (pronuncia-se Zubeida) seis anos atrás, quando eu tinha 17 anos, em um spa nas imediações de Boston. Ela logo depois deixou o spa e contatou minha mãe para continuar o tratamento em sua casa, na 410 Norfolk St.. Durante todo o meu último ano do ensino médio e nos quatro de faculdade, fui à casa dela perto de três vezes ao ano. A última vez foi entre dezembro de 2011 e janeiro de 2012.

Nos primeiro anos, o apartamento do terceiro andar contava sempre com a presença de seus dois filhos, agora identificados como os suspeitos dos atentados em Boston, e suas duas filhas, uma das quais tinha a minha idade. Não era, definitivamente, um lugar glamoroso para ganhar uma massagem facial e, nestes anos, a família aumentou. A escada ficava cheia de sapatos, havia discussões pela casa, barulhos na cozinha etc. Ela costumava pedir desculpas por isso. Suas filhas e Dzhokar, o filho mais novo, sempre me pareceram crianças perfeitamente normais. As filhas também iam a Rindge (a escola pública local), junto com seu irmão. Ela fazia uma massagem muito boa, muitas vezes trabalhando minha pele por duas ou três horas, e é por isso que minha irmã, minha mãe e eu continuamos suas freguesas por tanto tempo.

Tamerlan, o irmão mais velho, praticando boxe
Tamerlan, o irmão mais velho, praticando boxe

Nesse período, primeiro uma das filhas de Zubeidat, e depois a outra, tiveram casamentos arranjados e começaram a ter filhos. Era algo que eu achava um pouco perturbador, especialmente porque uma delas tinha minha idade (18 ou 19 anos) e não parecia feliz. Dois anos depois, eu soube que ela havia sido espancada e finalmente pediu o divórcio, inicialmente contra a vontade de sua mãe. Mais tarde Zubeidat disse que tinha aceitado o divórcio da filha porque era um casamento infeliz. O mais novo, Dzhokhar, ia muitas vezes à sala enquanto eu recebia o tratamento, cuidar de seu sobrinho. Dzhokar foi sempre simpático comigo e parecia tranquilo.  

Entre 2008 e 2012, eu passei a conhecê-la melhor. Nessas duas ou três horas, perguntava sobre sua vida pessoal e a de sua família. (Eu sou uma escritora e costumo questionar as pessoas exaustivamente sobre suas vidas pessoais, especialmente um personagem interessante como ela.) Havia se tornado cada vez mais religiosa enquanto eu estava na faculdade. Frequentemente mencionava Alá e as lições do Alcorão. “Deus irá recompensá-lo”, disse uma vez sobre meu irmão, quando eu disse a ela que achava que ele iria cuidar da minha mãe mais tarde na vida. Ela fez jejum muitas vezes. Disse-me que tinha chorado por dias quando seu filho mais velho, Tamerlan, contou-lhe que queria sair de casa porque, segundo a tradição, o filho fica em casa com a mãe até seu casamento. Ela começou a falar coisas como: “Não se preocupe, não há homens na casa hoje”, quando eu lhe perguntava se podia usar o banheiro, o que eu achava engraçado, já que não me importo se há homens no apartamento. 

No meu último ano de faculdade, ela estava fazendo uma massagem facial quando lhe perguntei por que viera para os Estados Unidos com sua família oito ou dez anos antes. Disse que ela e o marido haviam sido advogados e ativistas políticos na Rússia. Eles fugiram do país depois de alguma coisa que o marido fizera. Sua filha havia se divorciado recentemente e o ex-marido levara o filho para a Rússia, recusando-se a devolvê-lo. Finalmente, a criança foi devolvida.

Dzhokhar Tsarnaev
Dzhokhar Tsarnaev

Quando minha mãe perguntou a Zubeidat como eles haviam conseguido a criança de volta, ela lhe disse que “o meu marido é louco”. Ele ameaçou a família do ex-marido da filha e eles devolveram o menino. Durante esta sessão, ela começou a falar de uma teoria conspiratória, me dizendo que achava que o 11 de setembro fora propositalmente criado pelo governo americano para fazer os Estados Unidos odiarem os muçulmanos. “É verdade”, ela disse. “Meu filho sabe tudo sobre isso. Você pode ler na internet.” Eu tenho que dizer que me senti meio assustada e vulnerável, já que sou distintamente americana e estava deitada praticamente nua em sua sala de estar.

Ao longo desses anos com Zubeidat eu tive mais contato com suas filhas e com Dzhokar do que com o irmão mais velho Tamerlan. Esses três foram sempre cordiais e amáveis comigo. Eu acho que eu só encontrei Tamerlan duas vezes e ele não foi amigável. Zubeidat mencionou que discutia com ele e se preocupava depois que engravidou a namorada. Eu nunca conheci o marido de Zubeidat. Sei que há alguns anos ele tem câncer, mas ela disse que os médicos haviam detectado cedo e ele estava passando bem. Ela fez uma longa viagem para a Rússia entre 2011 e 2012.

Apesar de suas teorias sobre o 11 de setembro, que me levaram a me distanciar, ela me pareceu uma mulher trabalhadora, que se importava muito com sua família. Quando minha mãe me ligou hoje cedo, me contando que tinha visto a imagem de Dzhokhar na tevê e avisado o FBI, eu não podia acreditar. Como sua cliente há anos, eu senti carinho por Zubeidat e era muito perturbador saber que seus filhos poderiam ter cometido tais crimes horríveis.

As ações dos dois homens foram atrozes além das palavras. Eu escrevi essa história a fim de ajudar a esclarecer algumas das mentiras que eu li online durante os últimos dias, e espero que qualquer conhecimento que tenha compartilhado sobre a família possa ajudar os investigadores a chegar ao fundo destas ações terroristas e não causar qualquer mal. Desde que escrevi esse artigo, eu tenho experimentado enorme alívio após a captura de Dzhokar. Continuo a rezar e pensar nas vítimas dos atentados e em todos em Boston.