‘Entrevista com Escritores Mortos’ 10: Charles Baudelaire

Atualizado em 3 de julho de 2015 às 18:36

Baudelaire explica-nos o que é ser um dândi.

John Barrymore como Beau Brummel, clássico dândi inglês, no filme homônimo.
John Barrymore como Beau Brummel, clássico dândi inglês, no filme homônimo.

Em nossa série ‘Conversas com Escritores Mortos’, convocamos Monsieur Baudelaire para falar de um assunto que lhe era caro — o dandismo.

Monsieur Baudelaire, diz-se que o senhor foi um perfeito dândi. Isso é verdade?

Suponho que sim, já que sempre gostei da minha mãe por sua elegância. Poderia, portanto, intitular-me um dândi precoce.

E o que é ser um dândi?

Ser um dândi é ser um homem rico (homem, note bem. Um dândi nunca seria uma mulher – a mulher é o contrário do dândi, pois ela é natural, isto é, é abominável), dedicado ao ócio e que, mesmo aparentando indiferença, não tem outra ocupação além de correr no encalço da felicidade – o homem criado no luxo e acostumado, desde a juventude, a ser obedecido; aquele, enfim, que não tem outra profissão que não a da elegância e que gozará sempre, em todas as épocas, de uma fisionomia diferente, inteiramente à parte.

E essa é uma instituição relativamente moderna?

Na verdade não. É muito antiga, pois dela César, Catilina, Alcibíades nos dão exemplos impressionantes; muito geral, pois Chateaubriand descobre-a nas florestas e às margens dos lagos no Novo Mundo.

E quais são suas características?

Eu não estaria inteiramente errado em considerar o dandismo como uma espécie de religião, mais do que uma doutrina da elegância e da originalidade. É uma espécie de culto de si mesmo. É o prazer de surpreender e a satisfação orgulhosa de jamais se surpreender. O dândi pode sofrer, mas nesse caso sorrirá como o lacedemônio enquanto era roído pela raposa.

Espere – que lacedemônio é esse?

Montaigne contava essa história. Um jovem e orgulhoso lacedemônio, ao furtar uma raposa, escondeu-a sob o casaco e preferiu suportar que ela roesse seu ventre do que admitir que a havia roubado.

Eu sempre tive muita curiosidade em saber se eles existem em maior quantidade na França ou na Inglaterra.

            A Inglaterra é o ninho dos dândis. Os romancistas ingleses, mais do que os outros, cultivaram romances da alta-sociedade.

Mas e os franceses?

Nada de muito diferente. Os romancistas franceses, que pretenderam escrever especialmente romances de amor, tiveram muito judiciosamente o cuidado de dotar seus personagens de fortunas suficientemente grandes para poderem pagar sem hesitação todas as suas fantasias, dispensando-os, em seguida, de qualquer profissão. Tais personagens não tem, portanto, nenhuma ocupação a não ser a de cultivar a ideia do belo em sua pessoa, de satisfazer suas paixões, de sentir e pensar.

Como verdadeiros dândis…

Sim e, como verdadeiros dândis, dispõem, a seu bel-prazer e em grande quantidade, de tempo e dinheiro, sem os quais a fantasia, reduzida ao estado de devaneio passageiro, dificilmente pode ser traduzida em ação. É bem verdade, infelizmente, que sem tempo livre e sem dinheiro, o amor não passa de uma orgia de plebeu ou do cumprimento de um dever conjugal. Torna-se, em vez da atração ardente ou de plena fantasia, uma repugnante utilidade.

Então os dândis apreciam o amor?

O amor é a ocupação natural dos que se dedicam ao ócio. Mas o dândi não visa o amor como objetivo especial. Se falei de dinheiro é porque o dinheiro é indispensável às pessoas que fazem de suas paixões um culto; mas o dândi não aspira ao dinheiro como a algo essencial; um crédito ilimitado é o bastante; ele deixa essa grosseira paixão aos vulgares mortais.

Para encerrar, como se tornar um dândi?

Deve-se ser obcecado, acima de tudo, por distinção. A perfeição da toalete (que inclui também a vestimenta) está na simplicidade absoluta que é, de fato, a melhor maneira de se distinguir. E o mais importante: o dândi deve aspirar a ser sublime, sempre. Deve viver e dormir frente a um espelho.