Baudelaire explica-nos o que é ser um dândi.
Em nossa série ‘Conversas com Escritores Mortos’, convocamos Monsieur Baudelaire para falar de um assunto que lhe era caro — o dandismo.
Monsieur Baudelaire, diz-se que o senhor foi um perfeito dândi. Isso é verdade?
Suponho que sim, já que sempre gostei da minha mãe por sua elegância. Poderia, portanto, intitular-me um dândi precoce.
E o que é ser um dândi?
Ser um dândi é ser um homem rico (homem, note bem. Um dândi nunca seria uma mulher – a mulher é o contrário do dândi, pois ela é natural, isto é, é abominável), dedicado ao ócio e que, mesmo aparentando indiferença, não tem outra ocupação além de correr no encalço da felicidade – o homem criado no luxo e acostumado, desde a juventude, a ser obedecido; aquele, enfim, que não tem outra profissão que não a da elegância e que gozará sempre, em todas as épocas, de uma fisionomia diferente, inteiramente à parte.
E essa é uma instituição relativamente moderna?
Na verdade não. É muito antiga, pois dela César, Catilina, Alcibíades nos dão exemplos impressionantes; muito geral, pois Chateaubriand descobre-a nas florestas e às margens dos lagos no Novo Mundo.
E quais são suas características?
Eu não estaria inteiramente errado em considerar o dandismo como uma espécie de religião, mais do que uma doutrina da elegância e da originalidade. É uma espécie de culto de si mesmo. É o prazer de surpreender e a satisfação orgulhosa de jamais se surpreender. O dândi pode sofrer, mas nesse caso sorrirá como o lacedemônio enquanto era roído pela raposa.
Espere – que lacedemônio é esse?
Montaigne contava essa história. Um jovem e orgulhoso lacedemônio, ao furtar uma raposa, escondeu-a sob o casaco e preferiu suportar que ela roesse seu ventre do que admitir que a havia roubado.
Eu sempre tive muita curiosidade em saber se eles existem em maior quantidade na França ou na Inglaterra.
A Inglaterra é o ninho dos dândis. Os romancistas ingleses, mais do que os outros, cultivaram romances da alta-sociedade.
Mas e os franceses?
Nada de muito diferente. Os romancistas franceses, que pretenderam escrever especialmente romances de amor, tiveram muito judiciosamente o cuidado de dotar seus personagens de fortunas suficientemente grandes para poderem pagar sem hesitação todas as suas fantasias, dispensando-os, em seguida, de qualquer profissão. Tais personagens não tem, portanto, nenhuma ocupação a não ser a de cultivar a ideia do belo em sua pessoa, de satisfazer suas paixões, de sentir e pensar.
Como verdadeiros dândis…
Sim e, como verdadeiros dândis, dispõem, a seu bel-prazer e em grande quantidade, de tempo e dinheiro, sem os quais a fantasia, reduzida ao estado de devaneio passageiro, dificilmente pode ser traduzida em ação. É bem verdade, infelizmente, que sem tempo livre e sem dinheiro, o amor não passa de uma orgia de plebeu ou do cumprimento de um dever conjugal. Torna-se, em vez da atração ardente ou de plena fantasia, uma repugnante utilidade.
Então os dândis apreciam o amor?
O amor é a ocupação natural dos que se dedicam ao ócio. Mas o dândi não visa o amor como objetivo especial. Se falei de dinheiro é porque o dinheiro é indispensável às pessoas que fazem de suas paixões um culto; mas o dândi não aspira ao dinheiro como a algo essencial; um crédito ilimitado é o bastante; ele deixa essa grosseira paixão aos vulgares mortais.
Para encerrar, como se tornar um dândi?
Deve-se ser obcecado, acima de tudo, por distinção. A perfeição da toalete (que inclui também a vestimenta) está na simplicidade absoluta que é, de fato, a melhor maneira de se distinguir. E o mais importante: o dândi deve aspirar a ser sublime, sempre. Deve viver e dormir frente a um espelho.