Ex-agente das Forças Especiais de Israel influenciou 33 eleições mundo afora com hackeamento e desinformação

Atualizado em 16 de fevereiro de 2023 às 15:05
Tal Hanan, o responsável pela empresa que interfere em eleições mundo afora. Crédito: Guardian Design/Haaretz/The Marker/Radio France

O jornal britânico The Guardian, em parceria com outros veículos, revelou um escândalo de manipulação eleitoral muito mais grave que o da Cambridge Analytica. Tal Hanan, ex-agente das Forças Especiais de Israel, influenciou eleições em 33 países com sabotagens, hackeamento e desinformação automatizada.

Hanan, cuja empresa usa o codinome “Team Jorge”, diz que em 27 desses processos a sua empresa foi bem sucedida. O objetivo da empresa de análise de dados de Hanan é “distorcer a realidade” com propósitos políticos.

Para isso, eles usam estratégias militares de desinformação e mantêm equipes em diversos países. Processos eleitorais foram sabotados na América do Sul, América Central, África e Europa. O preço pago por seus serviços varia de 6 a 15 milhões de euros por processo eleitoral influenciado.

Hanan invade as redes do Facebook, Instagram, WhatsApp, Telegram e Gmail e usa mais de 30 mil perfis falsos para criar desinformação em diversos idiomas. Embora o Brasil não seja citado, as estratégias de Hanan coincidem com as práticas de rede de um candidato brasileiro – o exemplo não foi explicitado por ser uma das seis derrotas da empresa.

Questionado pelo jornal britânico por email, “Jorge” negou as acusações e diz “não ter realizado nenhum malfeito”. Conforme a apuração feita pelo consórcio de veículos jornalísticos, a empresa de Hanan também atuava para clientes privados. A empresa operou por mais de duas décadas sem ser descoberta.

O ex-agente israelense disse aos repórteres que seus serviços estavam disponíveis para agências de inteligência, campanhas políticas e empresas privadas que queriam manipular a opinião pública. Um dos principais serviços da Team Jorge é um conjunto de softwares chamado Advanced Impact Media Solutions (AIMS).

Esses programas gerenciam um vasto exército de milhares de perfis falsos de mídia social no Twitter, LinkedIn, Facebook, Telegram, Gmail, Instagram e YouTube. Alguns desses avatares manejam também contas da Amazon com cartões de crédito, carteiras de bitcoin e contas do Airbnb.

A filmagem secreta foi feita por três repórteres, que abordaram o Team Jorge se passando por clientes em potencial. Em mais de seis horas de reuniões, Hanan e sua equipe falaram sobre como poderiam coletar informações, usando técnicas de hacking para acessar contas do Gmail e do Telegram. Eles se gabavam de plantar material em veículos de notícias, e amplificar essas matérias usando o AIMS.

Esses programas gerenciam um vasto exército de milhares de perfis falsos de mídia social no Twitter, LinkedIn, Facebook, Telegram, Gmail, Instagram e YouTube. Alguns desses avatares manejam também contas da Amazon com cartões de crédito, carteiras de bitcoin e contas do Airbnb.

Grande parte de sua estratégia parecia girar em torno de interromper ou sabotar campanhas rivais: a equipe até alegou ter enviado um brinquedo sexual entregue pela Amazon para a casa de um político, com o objetivo de dar à esposa a falsa impressão de que ele estava tendo um caso.

Os métodos e técnicas descritos pelo Team Jorge levantam novos desafios para as grandes plataformas de tecnologia, que há anos lutam para impedir o espalhamento de notícias falsas ou violem a segurança de suas plataformas. A evidência de um mercado privado global de desinformação eleitoral soa um  alarme para as democracias em todo o mundo.

As revelações sobre o Team Jorge podem causar constrangimento para Israel, que tem sofrido crescente pressão diplomática nos últimos anos, devido à exportação de armas cibernéticas que prejudicam a democracia e os direitos humanos.

Hanan parece ter executado algumas de suas operações de desinformação por meio de uma empresa israelense, a Demoman International, registrada em um site administrado pelo Ministério da Defesa de Israel para promover as exportações de defesa. O Ministério da Defesa israelense não respondeu aos pedidos de comentários do Guardian.

Três jornalistas – da Radio France, Haaretz e TheMarker – abordaram o Team Jorge fingindo ser consultores trabalhando em nome de um país africano politicamente instável pedindo ajuda para interferir numa eleição. Os encontros com Hanan e seus colegas ocorreram por meio de videochamadas e uma reunião em um escritório nos arredores da capital Tel Aviv.

Hanan descreveu sua equipe como “graduada em agências governamentais”, com experiência em finanças, mídia social e campanhas, bem como “guerra psicológica”, operando em seis escritórios em todo o mundo. Quatro colegas de Hanan compareceram às reuniões, incluindo seu irmão, Zohar Hanan, descrito como  principal executivo do grupo.

Em seu discurso para os potenciais clientes, Hanan afirmou: “Agora estamos envolvidos em uma eleição na África … Temos uma equipe na Grécia e uma equipe nos Emirados. Você segue as pistas. [Concluímos] 33 campanhas presidenciais, 27 delas bem-sucedidas.” Mais tarde, ele disse que estava envolvido em dois “grandes projetos” nos Estados Unidos, mas alegou não se envolver na política americana.

O Team Jorge disse aos repórteres que aceitaria pagamentos em várias moedas, incluindo criptomoedas como bitcoin ou dinheiro. Ele disse que cobraria entre € 6 milhões e € 15 milhões por interferência nas eleições.

Porém, e-mails vazados para o Guardian mostram Hanan cobrando taxas mais modestas. Um email  sugere que em 2015 ele pediu US$ 160 mil da agora extinta consultoria britânica Cambridge Analytica para se envolver em uma campanha de oito semanas em um país latino-americano. Em 2017, Hanan novamente tentou trabalhar para a Cambridge Analytica, desta vez no Quênia – os clientes não toparam pagar os US$ 600 mil pedidos por Hanan.

Não há evidências de que qualquer uma dessas campanhas tenha ido adiante. Outros documentos vazados, no entanto, revelam que, quando o Team Jorge trabalhou secretamente na corrida presidencial nigeriana em 2015, o fez ao lado da Cambridge Analytica. Alexander Nix, ex-CEO da Cambridge Analytica, não comentou o assunto.

O Team Jorge também enviou à consultoria política de Nix um vídeo mostrando uma iteração inicial do software de desinformação agora batizado de AIMS. Hanan disse em um e-mail que a ferramenta, que permite aos usuários criar até 5 mil bots para entregar “mensagens em massa” e “propaganda”, foi usada em 17 eleições.

Tal Hanam, o líder “visível” do Team Jorge. Reprodução

O software de gerenciamento de bots do Team Jorge parece ter ficado mais robusto. Ao mostrar a interface do AIMS aos repórteres disfarçados, Hanan percorreu dezenas de avatares e mostrou como perfis falsos podem ser criados em um instante, usando guias para escolher nacionalidade e gênero e combinar fotos de perfil com nomes.

“Isso é espanhol, russo, você vê asiáticos, muçulmanos. Vamos fazer um candidato juntos”, disse ele, antes de se decidir por uma imagem de uma mulher branca. “Sophia Wilde, eu gosto do nome. britânico. Ela já tem e-mail, data de nascimento, tudo”. Muitas dessas fotos são de pessoas reais. A foto de Sophia Wilde, por exemplo, parece ter sido roubada de uma conta de mídia social pertencente a uma mulher que mora em Leeds, no Reino Unido.

O Guardian rastreou a atividade de bots vinculados ao AIMS na Internet. Ele estava por trás de falsas campanhas de mídia social envolvendo disputas comerciais em 20 países, como Reino Unido, EUA, Canadá, Alemanha, Suíça, México, Senegal, Índia e Emirados Árabes. A Meta, proprietária do Facebook, derrubou bots vinculados ao AIMS em sua plataforma depois que repórteres compartilharam uma amostra das contas falsas com a empresa.

Além do AIMS, Hanan contou aos repórteres sobre sua “máquina de blogger” – um sistema automatizado para criar sites que os perfis de mídia social controlados pelo AIMS poderiam usar para espalhar notícias falsas pela Internet. “Depois de criar credibilidade, o que você faz? Você manipula as pessoas”, disse ele.

Não menos alarmantes foram as demonstrações de Hanan sobre os recursos de hacking de sua equipe, capazes de invadir contas do Telegram e do Gmail. Em um caso, ele exibiu na tela a conta do Gmail de um homem descrito como “assistente de um cara importante” nas eleições gerais no Quênia, que aconteceriam dali a alguns dias.

Uma das contas do Telegram invadidas pertencia a uma pessoa na Indonésia, enquanto as outras duas pareciam pertencer a quenianos envolvidos nas eleições e próximas ao então candidato William Ruto, vencedor do pleito. “Vou te mostrar como o Telegram é seguro”, disse ele, antes de mostrar uma tela na qual parecia percorrer os contatos do Telegram de um estrategista queniano que trabalhava para Ruto.

Hanan então demonstrou como o acesso ao Telegram poderia ser manipulado.  Digitando as palavras “olá, como vai, querido”, Hanan apareceu para enviar uma mensagem da conta do estrategista queniano para um de seus contatos. “Não estou só assistindo”, gabou-se Hanan, antes de explicar como manipular o aplicativo de mensagens para criar caos na campanha eleitoral de um rival.

“Hanan então mostrou como – uma vez que a mensagem foi lida – ele poderia “excluí-la” para encobrir seus rastros. Mas quando Hanan repetiu aquele truque, invadindo a conta do outro conselheiro queniano, ele cometeu um erro. Depois de enviar uma mensagem consistindo apenas no número “11” para um dos contatos da vítima de hacking, ele não conseguiu excluí-la.

Mais tarde, um repórter do consórcio conseguiu rastrear o destinatário da mensagem e recebeu permissão para verificar o telefone da pessoa. A mensagem “11” ainda estava visível em sua conta do Telegram, fornecendo evidências de que a infiltração do Team Jorge na conta era genuína.

Print mostrando a invasão do Telegram pela equipe israelense de hackers. Reprodução Guardian

Hanan sugeriu aos repórteres disfarçados que alguns de seus métodos de hacking exploravam vulnerabilidades no sistema global de telecomunicações, SS7, por décadas considerado por especialistas como um ponto fraco na rede de telecomunicações mundial. O Google, dono do Gmail, se recusou a comentar o assunto. O Telegram disse que “o problema das vulnerabilidades do SS7” era conhecido e “não exclusivo do Telegram”.

Ele não respondeu aos e-mails da reportagem, alegando que precisava de “aprovação” de uma autoridade não especificada antes de fazê-lo. No entanto, ele acrescentou: “Sendo bem claro, nego qualquer irregularidade”. Zohar Hanan, seu irmão e parceiro de negócios, acrescentou: “Tenho trabalhado toda a minha vida de acordo com a lei”.

O consórcio de jornalistas que investigou o Team Jorge inclui repórteres de 30 veículos, incluindo Le Monde, Der Spiegel e El País. O projeto, parte de uma investigação mais ampla sobre a indústria da desinformação, foi coordenado pela Forbidden Stories, uma organização sem fins lucrativos francesa.

Tradução: Charles Nisz

Participe de nosso grupo no WhatsApp, clique neste link
Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link