Publicado na Deutsche Welle
Uma mulher de 97 anos, ex-secretária de um antigo campo de concentração nazista, foi condenada nesta terça-feira (20/12) a dois anos de prisão com pena suspensa — ou seja, não precisará ir para a cadeia. Trata-se possivelmente de um dos últimos processos relacionados ao Holocausto na Alemanha.
Irmgard F. foi considerada culpada de cumplicidade na morte de mais de 10 mil pessoas no campo de concentração de Stutthof, que hoje fica em território polonês. Ela começou a ser julgada em setembro de 2021 no Tribunal de Itzehoe, no norte da Alemanha. A ex-secretária tentou escapar do julgamento, fugindo do lar de idosos em que vive, mas foi encontrada horas mais tarde.
De acordo com a acusação, ela trabalhou como datilógrafa e secretária do comandante do campo, Paul Werner Hoppe, de 1943 a 1945, quando tinha entre 18 e 19 anos — motivo pelo qual o processo foi julgado em uma câmara juvenil.
“Sinto muito por tudo o que aconteceu. Lamento ter estado em Stutthof na época. É tudo o que posso dizer”, afirmou a idosa em uma de suas poucas declarações durante o julgamento. Irmgard F., de cadeira de rodas, esteve presente quando a sentença foi pronunciada.
No julgamento, sobreviventes do campo relataram o sofrimento e os assassinatos em massa em Stutthof. A testemunha mais importante, no entanto, foi o especialista em história Stefan Hördler, que apresentou seu relatório em 14 sessões.
Os advogados pediram a absolvição da idosa, argumentando que não ficara provado que a antiga secretária tivesse conhecimento dos assassinatos em Stutthof.
Segundo a acusação, no entanto, os crimes cometidos durante o nazismo não teriam sido possíveis sem o sistema burocrático do qual Irmgard F. fazia parte, “gozando da confiança do comandante e mantendo acesso a todos os documentos considerados confidenciais”.
Para a acusação, o trabalho dela garantia o bom funcionamento do campo de extermínio e dava a ela conhecimento sobre tudo o que ocorria por lá.
Significado histórico
A sentença proferida está de acordo com o pedido do Ministério Público alemão, que sublinhou seu “significado”. “Este julgamento é de grande importância histórica”, disse o promotor público Maxi Wantzen.
Calcula-se que cerca de 65 mil pessoas tenham sido mortas em Stutthof, entre prisioneiros judeus, membros da resistência polonesa e prisioneiros de guerra soviéticos.
A maioria dos prisioneiros morreu de fome, sede, doenças como o tifo e exaustão devido aos trabalhos forçados. No entanto, para executar os “prisioneiros considerados fisicamente mais fracos”, o campo também dispunha de câmaras de gás.
Casos julgados tardiamente
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) terminou há 77 anos, mas a Alemanha continua julgando antigos nazistas ainda vivos.
Poucas mulheres envolvidas em crimes nazistas foram processadas depois de 1945. Traudl Junge, por exemplo, a secretária privada de Adolf Hitler nunca foi processada e morreu em 2002.
A ação contra F., assim como tantas outras nos últimos 10 anos, só foi possível graças ao estabelecimento de um precedente jurídico em 2011, quando o ucraniano John Demjanjuk se tornou o primeiro réu condenado na Alemanha apenas por servir como guarda num campo de concentração, mesmo sem provas de envolvimento concreto em atos criminosos. Sentenciado a cinco anos de prisão, ele morreu em março de 2012, aos 91 anos, sem cumprir a pena.
Até então, os tribunais seguiam uma determinação da Corte Federal de Justiça de 1969, segundo a qual a condenação de um ex-funcionário de campo de extermínio dependia da culpa individual do réu, ou seja, de seu envolvimento num crime específico – o que na maior parte das vezes era impossível de ser comprovado.
O veredicto de Demjanjuk acabou com essa jurisprudência, ampliando sensivelmente o número de possíveis processos contra ex-funcionários de campos de extermínio nazistas.
Em 2020, um ex-guarda do campo de concentração de Stutthof, então com 93 anos, foi condenado por um tribunal de Hamburgo. Bruno D. era acusado de cumplicidade no homicídio de 5.230 pessoas.
Em 2016, o ex-vigia do campo de concentração de Auschwitz Reinhold Hanning foi condenado a cinco anos de prisão pelo Tribunal Estadual de Detmold. O aposentado de 94 anos respondia por cumplicidade em 170 mil homicídios praticados entre 1943 e 1944, quando era membro da tropa nazista SS.
Em junho deste ano, um antigo guarda do campo de concentração de Sachsenhausen (norte de Berlim),de 101 anos, foi condenado a cinco anos de prisão.