Excentricidades, mistérios e bizarrices: acordo da Petrobras mostra poder supremo da Lava Jato

Atualizado em 10 de março de 2019 às 12:54

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO PORTAL MIGALHAS

Mais de R$ 2,5 bilhões: esse é o valor que a Petrobras depositou há poucas semanas, em nome do MPF, numa conta corrente bancária de Curitiba/PR, em cumprimento ao “acordo” feito com autoridade financeira norte-americana.

O montante não é pouca bobagem. Para o migalheiro ter um grau de comparação: é o equivalente a mais de 60% do orçamento de todo MPF brasileiro para o exercício financeiro deste ano, que será de R$ 4 bilhões.

Os R$ 2,5 bi correspondem a 80% das penalidades definidas no acordo da Petrobras com autoridades dos EUA, e isenta a estatal de pagá-las naquele país.

Em setembro do ano passado, quando o acordo foi anunciado pelas autoridades ianques, dizia-se que a destinação de 80% das multas, ou seja, US$ 682 milhões, iria aos meninos de Curitiba, a serem depositados pela Petrobras em um fundo especial e utilizados conforme instrumento que seria assinado com o MPF.

O que não se sabia, e agora ficou claro, é que o acordo com os EUA não previa a criação de fundo algum. O que se dizia é que o dinheiro era para o Brasil, a ser pago às autoridades brasileiras.

Vejamos os trechos do acordo, nos quais há a informação do pagamento:

That the Fraud Section and the Office will credit 80% of the criminal penalty against the amount the Company pays to Brazilian authorities, pursuant to their resolution.”

The Fraud Section and the Office agree to credit the remaining amount of the Total Criminal Penalty against the amount the Company pays to Brazil, up to 80 percent of the Total Criminal Penalty, equal to $682,560,000.

Não se sabia também, e agora deu pra entender, é que a ideia para que o dinheiro tivesse essa destinação, ou seja, fosse empregado pelo MPF de Curitiba foi do próprio MPF de Curitiba, como consta no documento.

Tal instrumento foi assinado no dia 23 de janeiro e homologado dois dias depois pela 13ª vara de Curitiba. Embora envolva a tão propagada “maior operação” do país, tem míseras 17 páginas, cujo texto traz uma série de excentricidades, mistérios e até bizarrices.

Na primeira linha do documento lemos a primeira invenção tupiniquim: “ACORDO DE ASSUNÇÃO DE COMPROMISSOS”. Quer dizer que a Petrobras deposita R$ 2,5 bi num “Acordo de Assunção”?

Vá um agente político fazer tal absurdo para ver quanto tempo demora para ir parar em Pinhais.

Isso para não falar que é um típico contrato de adesão, no qual a Petrobras adere ou…

Deus no céu e Lava Jato na terra

O referido “instrumento” deixa claro quem o criou: o MPF, “por intermédio dos Procuradores Regionais da República e Procuradores da República signatários, com designação para oficiar na Operação Lava Jato”.

A petroleira foi representada no acordo pela gerente executiva do Jurídico, Taisa Oliveira Maciel. Os integrantes do parquet que assinaram o termo: Deltan Martinazzo Dallagnol, coordenador da força-tarefa da operação no Paraná, Antonio Carlos Welter, Isabel Cristina Groba Vieira, Januário Paludo, Orlando Martello Junior, Diogo Castor de Mattos, Roberson Henrique Pozzobon, Júlio Carlos Motta Noronha, Jerusa Burmann Viecili, Paulo Roberto Galvão, Athayde Ribeiro Costa e Laura Tessler.

Resta saber onde está a portaria da PGR que delegou aos procuradores da força-tarefa a competência para celebrar o instrumento desse diapasão.

Algoz ou vítima?

Nos “Considerandos” do “acordo”, o item de nº 2 parte da premissa de que a Petrobras foi “vítima e diretamente lesada por ilícitos praticados em seu desfavor”. Todavia, o que o instrumento prevê é uma penalização à companhia pelos ilícitos ocorridos.

Tanto que, se a Petrobras não pagasse o valor estipulado no acordo com o MPF, 100% do montante acordado com as autoridades norte-americanas iria direto para o Tesouro do Tio Sam.

Ou seja, os EUA foram bonzinhos em autorizar que 80% ficasse no Brasil. Só que os ianques não disseram que só poderia ficar se fosse na mão de Dallagnol.

Mas há mais.

Vem aí a Fundação Lava Jato

Metade do valor depositado pela Petrobras (R$ 1.2 bilhões) será, segundo o MPF, destinado para “investimento social em projetos, iniciativas e desenvolvimento institucional de entidades e redes de entidades idôneas”. Novamente, frise-se, vá o agente político destinar dinheiro para “entidades idôneas” para ele ver quanto tempo demora para ter o MP no seu encalço. É o famoso faça o que eu digo, mas não o que eu faço.

Ainda no documento, saltam aos olhos os objetivos de tal investimento:

– Promoção da cidadania;

– Formação de lideranças;

– Aperfeiçoamento das práticas políticas;

– Promover a conscientização da população brasileira.

Curiosamente, as cartilhas dos regimes totalitários das décadas de 30 e 40 foram profícuas em exaltar “a construção de uma constituição que una a vontade do povo com a autoridade de uma liderança”. A saber, a frase entre aspas é do maior facínora da história do mundo.

Enfim, o tal acordo prevê ainda a constituição de um fundo patrimonial que garantirá a “perenidade deste investimento social”.

Mas olhemos ainda a estrutura organizacional deste fundo, conforme as cláusulas do acordo, após uma longa lista de “missões” a serem contempladas (2.4.1.).

Diz-se que a sede será Curitiba.

Por quê?

Diz-se que o MPF e MP/PR têm assento em board.

Por quê?

Fato é que a própria constituição da fundação é inexplicável. Com efeito, o art. 129 da Constituição (“são funções institucionais do Ministério Público”) não prevê que o órgão fiscalizador do país crie uma fundação.

Aliás, ao Ministério Público complete justamente o dever de fiscalizar as fundações. Como, então, irá fiscalizar sua própria bilionária fundação? Ou, em bom latim, quis custodiet ipsos custodes?

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Como é que é?

Como se não bastasse de esdruxularia num contrato só, há ainda a cereja no bolo.

De fato, a cláusula 2.3.2. destina 50% do depósito (R$ 1.2 bi) para a satisfação de eventuais condenações ou acordos com acionistas que investiram no mercado acionário brasileiro (B3) e ajuizaram ação de reparação, inclusive arbitragens.

Espera aí: a Petrobras é vítima e o dinheiro é uma punição norte-americana, o que já parece estranho, mas vá lá. Agora, uma parte da punição se transforma num contingenciamento para pagar credores?

Ora, o dinheiro era para o Brasil, e o MPF da Lava Jato, nitidamente usando seu poder, inventou a história do fundo. Agora, 50% volta para a Petrobras? Segundo o acordo feito com os EUA, isso pode ser motivo de nova punição. Sim, pois o destino do dinheiro não era esse, e há previsão para o caso de descumprimento:

In the event that the Company does not pay to Brazil any part of the $682,560,000 in the timeframe specified in the agreement between Brazilian authorities and the Company, the Company will be required to pay that amount to the United States Treasury.”

Cereja do bolo

E aí que vem a cereja do bolo. Pelo “acordo”, a Petrobras, uma empresa privada, deve manter o MPF atualizado sobre os andamentos dos processos judiciais e arbitrais que esteja sofrendo. E, segundo os termos, a empresa não poderá se opor ao pedido de ingresso do MPF em tais processos.

Ou seja, o MPF anuncia que irá atuar em processos privados, mesmo sem ter partes incapazes. E mais, já informa que ingressará também nas arbitragens, ferindo de morte os princípios que balizam essa solução de conflitos.

E por que o MPF está tão interessado nos processos de indenização contra a Petrobras? Porque, leitor, segundo o “acordo”, depois de dois anos os juros dos 50% que ficaram contingenciados para pagar os demandantes serão direcionados à Fundação que eles adredemente criaram (2.5), e depois de cinco anos o saldo bancário destes 50% será integralmente enviado para a Fundação (2.5.1). Ou seja, o MPF é parte interessada. Financeiramente interessada.

PGR aí vamos nós

O acordo prevê que qualquer conflito ou dúvida deve ser dirimido na JF em Curitiba – “mais especificamente o juízo da homologação” – “com renúncia de qualquer outro por mais privilegiado que seja ou venha a ser”.

Em resumo, o acordo deixa explícito que a força-tarefa da Lava Jato, liderada pelo procurador Deltan Dallagnol, acabou ficando maior que a própria PGR.

E tanto é assim que já se anuncia que Deltan Martinazzo Dallagnol será nomeado Procurador-Geral da República tão logo termine o mandato de Raquel Dogde.

Saldo final

Um dos grandes causadores de rombo na Petrobras foi o diretor Paulo Roberto da Costa. Condenado a vários anos de prisão, ele fez acordo com o MPF e já está em casa. Devolveu menos de R$ 100 milhões que teria roubado.

Como se vê pelas cifras, Paulo Roberto da Costa é fichinha.

  • Veja a íntegra do acordo MPF/Petrobras.
  • Veja a íntegra do acordo Petrobras/EUA.