EXCLUSIVO: Afilhado de Temer no Porto de Santos foi pego pela Receita e PGR poupou o padrinho. Por Marcelo Auler

Atualizado em 31 de março de 2018 às 9:11
Marcelo de Azeredo, indicado por Temer para a Cia. Docas de SP

Esta reportagem faz parte da série do DCM sobre o envolvimento de Michel Temer no escândalo do esquema de propinas do Porto de Santos, financiada através de crowdfunding. Foi publicada originalmente em 02/08/2016. As demais estão aqui

Marcelo de Azeredo, presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo entre junho de 1995 e maio de 1998 por indicação de Michel Temer, foi autuado pela Receita Federal em R$ 926.427,63.

Ele não conseguiu comprovar a origem de recursos movimentado em suas contas bancárias. Em 1999, por exemplo, não soube explicar 133 depósitos em suas contas. Com isso, teve o chamado Acréscimo Patrimonial a Descoberto.

De acordo com sua ex-companheira Erika Santos, em ação na 2ª Vara de Família de São Paulo ajuizada em 2000, foi fruto da propina por ele recebida e dividida com o seu padrinho político, Temer, então presidente da Câmara dos Deputados.

Pelo relato dela, Temer recebeu 50% do arrecadado. O dobro do que seu companheiro punha no bolso, pois outros 25% iam para um tal de Lima.

Lima é, possivelmente, João Baptista Lima Filho, possível sócio de Temer.

A conclusão da Receita no caso de Marcelo, conferindo veracidade ao que Erika denunciou, não aconteceu com Temer, nem com Lima. Como o DCM mostrou em reportagem anterior desta série, as tentativas de investigar o então presidente da Câmara por duas vezes esbarraram na Procuradoria Geral da República.

Em 2001 foi Geraldo Brindeiro, conhecido como “Engavetador da República”, quem impediu. Dez anos depois, foi Roberto Gurgel, que à frente da PGR alegou não haver indícios que justificassem a investigação.

Nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, Temer era o responsável pelas nomeações no Porto de Santos, como confirmam ex-diretores da CODESP, sindicalistas e políticos, inclusive do PMDB.

Curiosamente, no mesmo ano de 1998 em que a Receita autuou Marcelo em R$ 344.118,75, pagos sem ele reclamar, Temer adquiriu sua mansão no bairro paulistano do Alto de Pinheiros, como descreveu a revista Brasileiros. Na contabilidade apresentada por Erika em juízo, o padrinho político do seu ex-companheiro recebeu, na época, pelo menos R$ 2.726.750,00.

A denúncia de Erika também foi confirmada no caso da irmã de Marcelo. Carla de Azeredo foi autuada pelo Fisco em R$ 100.123,32, por ter em seu nome um Porsche, modelo Carrera, ano 1997, placa CMP 0019 (SP) sem comprovar ao Fisco rendimentos lícitos que permitissem a sua aquisição.

Tanto esse Porsche como uma Mercedes Benz, em nome do pai dos dois, Ronaldo Pinto de Azeredo, segundo denunciou a ex-companheira de Marcelo, foram adquiridos com os mesmos recursos da propina paga por empresas que operavam no Porto de Santos. Para não chamar atenção, Marcelo colocou-os no nome dos parentes, o que a Receita confirmou.

As autuações da Receita – às quais o Diário do Centro do Mundo e o Blog Marcelo Auler tiveram acesso – indicam que Erika não mentiu ao falar que “o ‘grosso’ dos recursos obtidos pelo requerido (Marcelo) vinham de ‘caixinhas’ e ‘propinas’ recebidos em razão de seu posto como Presidente da CODESP”.

No mesmo documento, ela acrescentou: “Estas ‘caixinhas’ ou ‘propinas’ eram negociadas com os vencedores das licitações ou com concessionários  e, repartidas entre o requerido, seu padrinho político, o Deputado Federal Michel Temer, hoje Presidente da Câmara dos Deputados e um tal de Lima”.

A fiscalização da Receita Federal em torno do patrimônio de Marcelo e de sua irmã Carla foi solicitada pelo Ministério Público Federal de Santos (SP).

Mas o inquérito por crime de sonegação contra Marcelo e Carla começou tramitando na 4ª Vara Federal Criminal de São Paulo, depois redistribuído à 6ª Vara Federal da capital. Como houve pagamento da dívida à Receita em uma autuação, o inquérito foi arquivado em abril de 2011, como manda a legislação.

 

Quando a denúncia de Erika surgiu, ainda no governo FHC, uma cópia foi remetida ao então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro. Este considerou que não havia indícios contra o então presidente da Câmara e arquivou o processo em 2001.

Sete anos depois, o delegado federal Cássio Nogueira e a procuradora da República em Santos, Juliana Mendes Daun, perceberam que as denúncias na Vara de Família tinham fundo de verdade.

O próprio Nogueira confessou que “consulta à Receita Federal confirmou que Azeredo apresentava um padrão de vida nada compatível com seus ganhos oficiais. Entre eles o Porsche, modelo Carrera, ano 1997, placa CMP 0019”. O mesmo automóvel pelo qual Carla acabou autuada.

Depois que Temer deixou sem respostas três convites para falar ao delegado na condição de testemunha, Nogueira não viu outra saída e sugeriu que o caso fosse remetido ao Supremo Tribunal Federal (STF) em busca de autorização para uma investigação mais ampla, inclusive em relação ao presidente da Câmara, que tinha direito a foro especial.

A proposta foi prontamente acatada pela procuradora Juliana e o inquérito remetido ao STF. Só foi registrado ali em 28 de fevereiro de 2011. Caiu na relatoria do ministro Marco Aurélio Mello.

Àquela altura, Temer já era o 24° vice-presidente do país no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Novamente, a Procuradoria Geral da República, desta feita por decisão de Roberto Gurgel, optou pelo arquivamento.

Com isso, até hoje Temer não teve seu patrimônio investigado pela Receita, apesar do considerável crescimento ao longo do tempo, como demonstrou a Brasileiros.

Em 1998, ao ser eleito deputado – antes ele foi por duas vezes suplente – contabilizava bens que totalizavam R$ 2.971.177. Depois registrou uma perda patrimonial, pois em 2006 declarou que eles somavam R$ 2.293.646. Em 2010, subiu para R$ 6.052.779 e atingiu R$ 7.521.799 em 2014.

Antes de ser político, Michel Temer foi um constitucionalista respeitável e teve carreira na Procuradoria do Estado de São Paulo. O patrimônio declarado a cada campanha é subestimado. Diz a revista:

A casa que Temer possui na zona oeste de São Paulo, de 415 metros quadrados, foi comprada em 1998 por R$ 722.977,41 e ainda é declarada por esse valor. Na Prefeitura de São Paulo seu valor venal é calculado em R$ 2.875.109. O valor de mercado do imóvel costuma ser de 20% a 40% maior que o valor venal, usado pela prefeitura para calcular o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). Temer tinha ainda dois conjuntos comerciais, de 196 metros quadrados cada um, num edifício no Itaim-Bibi. O valor venal de cada imóvel é de R$ 1.024.802. Os dois, contudo, são declarados à Justiça Eleitoral por seu valor de aquisição: R$ 190 mil”.

Também Marcelo atuava desde 1987 como servidor público, sempre por indicação do padrinho político Michel Temer, como destacou Erika. Coincidência ou não, no ano de 1998, quando Temer adquiriu sua mansão no Alto de Pinheiros, ele foi autuado por sonegação de imposto de renda em R$ 344.118,75.

Valor que, como narrou o juiz Luiz Renato Pacheco Chaves de Oliveira, então substituto na 4ª Vara Federal de São Paulo, foi pago parceladamente, sem reclamação.

No exercício seguinte, quando deixou a CODESP no mês de junho e abriu a SHODOC Consultoria e Empreendimentos Ltda., com a qual pretendia – segundo explicou Erika – alugar equipamentos para os terminais do porto, a Receita o autuou em R$ 582.308,88. No mesmo exercício de 1999, a irmã, Carla, foi multada em R$ 100.123,32.

Carla foi pega pelo fisco por ter em seu nome o Porsche que, como Erika denunciou na ação na Vara de família, foi comprado por Marcelo e colocado em nome dela. O mesmo ocorreu com um Mercedez Benz, que estava em nome do seu pai, Ronaldo Pinto de Azeredo. Ele conseguiu passar pela fiscalização, mas ela, mesmo recorrendo ao CARF e alegando que o Porsche foi permutado com o Mercedes Benz pelo pai e que apenas emprestou o nome, não se viu livre da multa.

Marcelo teve um pouco mais de sorte. Não conseguiu, como queria, que o CARF anulasse a decisão da Receita. Alegou cerceamento de defesa. Como relatou o conselheiro Alexandre Naoki Nishioka no voto que foi acatado por unanimidade pelos membros da 1ª Turma Ordinária da 1ª Câmara do CARF, o ex-presidente da CODESP conseguiu explicar apenas 27 de 160 depósitos encontrados em suas contas bancárias pelos auditores.

Ele reduziu o valor da autuação da Receita ao provar que um depósito não declarado de R$ 127,4 mil era proveniente do lucro de uma nova empresa. Como o sigilo predomina nos casos envolvendo o Fisco, não se sabe ao certo o valor final da autuação após o desconto desse depósito não explicado.

Hoje, Marcelo, como mostra a certidão da Receita aqui reproduzida, ainda é considerado em débito com a Receita.

A grande dúvida é o que aconteceria se a Procuradoria Geral da República investigasse Michel Temer. Ele sofreria uma autuação por patrimônio a descoberto, como aconteceu com o cupincha?