Envolvido em denúncias graves de corrupção, o deputado federal Aécio Neves deixou o primeiro time da política nacional, mas não perdeu poder, principalmente em Minas Gerais, estado que governou por oito anos.
“Se depender do Judiciário em Minas, ele não será preso nunca”, diz o experiente advogado Dino Miraglia, que sofreu na carne os efeitos do poder do grupo de Aécio.
As provas de crimes do ex-governador, que o Judiciário tem ignorado, estão em poder de um dos clientes que Dino Miraglia defendeu, o jornalista Marco Aurélio Carone.
Dono do extinto site Novo Jornal, Carone e seu editor, o premiado jornalista Geraldo Elísio, publicaram as denúncias mais graves de corrupção contra Aécio, num tempo em que, nacionalmente, ele era apresentado gestor exemplar, um estadista.
O site de Carone ficou ativo até o início de 2014, quando ele foi preso e todos os equipamentos do site foram apreendidos, inclusive o servidor.
Resultado: documentos que revelavam indícios de crimes de Aécio e de seu grupo desapareceram.
Para prendê-lo, a Polícia Civil, com parecer do Ministério Público, montou uma operação em que Dino Miraglia, Marco Aurélio Carone e o lobista Nílton Monteiro foram apresentados como integrante de uma quadrilha que falsificava documentos com objetivo de extorquir dinheiro de autoridades.
Acusação que não foi provada. Pelo contrário. Inquérito posterior revelou que, para dar lastro a essas acusações, houve até perícia forjada e sumiço de documentos e até de inquéritos inteiros.
E nunca apareceu ninguém que dissesse como e em que circunstância teria havido extorsão. Ou seja, eram crimes sem vítima.
Carone guardou alguns documentos com ele, como os ofícios e cópias de contrato que demostram que o mensalão operado por Marcos Valério em Brasília, que atendeu ao governo federal entre 2003 e 2005, funcionou também no governo de Aécio Neves em Minas Gerais.
Por conta do mensalão de Brasília, José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares, da cúpula do PT, foram presos e cumpriram a sentença.
Já o mensalão de Minas Gerais produziu uma prisão tardia, a de Eduardo Azeredo, ex-governador, mas nenhum arranhão em Aécio Neves e sua turma.
Se Eduardo Azeredo foi considerado culpado, Aécio também deveria ser responsabilizado, já que o esquema de desvio de dinheiro através de contratos de publicidade é idêntico.
No dia 7 de maio de 1996, o governo de Azeredo assinou contrato com a DNA Propaganda Ltda., de Marcos Valério, em sociedade com Clésio Andrade, que era presidente da Confederação Nacional dos Transportes e viria a ser vice-governador no primeiro mandato de Aécio Neves, entre 2003 e 2006.
Entre 1999 e 2002, no governo de Itamar Franco, o contrato foi interrompido, e voltou com força em 2003, no primeiro ano do mandato de Aécio Neves.
Quem assina o contrato com a DNA é o secretário de governo, Danilo de Castro, com aditivos que têm a assinatura de seu adjunto, Frederico Pacheco de Medeiros, primo de Aécio, aquele que, segundo ex-governador, “a gente pode matar antes que delate”.
Os documentos em poder de Carone são aqueles que desapareceram da CPMI dos Correios, em 2005, conforme delação do ex-senador Delcídio do Amaral.
Esses documentos estavam no Banco Rural, teriam sido encaminhados à CPMI e retirados de lá.
No seu depoimento, o ex-senador contou que negociou com Aécio e com enviados dele, como o então deputado Eduardo Paes, na época no PSDB, a maquiagem de documentos enviados pelo banco.
Se fossem analisados pela CPMI, o PSDB seria implicado e perderia força a narrativa de que foi o que PT instituiu o mensalão como estratégia para a compra de apoio no Congresso Nacional.
Em Minas Gerais, ao mesmo tempo em que os tucanos apontavam o dedo para o governo do PT, ocorria um esquema idêntico e até anterior, pois vinha da gestão de Eduardo Azeredo entre 1995 e 1998.
Em outubro do ano passado, depois que um inquérito foi aberto para apurar a denúncia de Delcídio, a investigação foi interrompida, com a decisão do ministro Gilmar Mendes de mandar tudo para o arquivo.
A procuradora geral da república argumentou que não era possível comprovar as denúncias de Delcídio.
Como não?
O próprio Supremo chegou a ter cópias desses documentos. É que, ao mesmo tempo em que a CPMI dos Correios concluía seus trabalhos, sem implicar o governo de Aécio Neves, o Supremo Tribunal Federal abriu inquérito para apurar os mesmos fatos.
O relator era Joaquim Barbosa, e ele recebeu documentos idênticos aos da CPMI. Uma simples leitura não deixa margem à dúvida: o esquema do mensalão funcionava no governo de Aécio Neves, nos mesmos moldes, com a mesma empresa de publicidade e o mesmo banco. Veja o documento abaixo:
O contrato é rescindido no auge do escândalo do mensalão em Brasília, quando toda a atenção estava concentrada nos episódios que envolviam o PT. A rescisão foi assinada pelo primo de Aécio, que viria a ser preso 11 anos depois, no escândalo da JBS, quando foi flagrado recolhendo dinheiro de propina na sede da empresa, propina acertada entre Aécio Neves e Joesley Batista.
O governo de Aécio Neves foi poupado neste inquérito, assim como na CPMI dos Correios. Se tivesse havido apuração, Aécio teria sido rebaixado do primeiro time da política muito antes e, em 2014, não teria força para se candidatar a presidente.
Muito menos para ser o beneficiário de uma operação que visou silenciar aqueles que, fora da política, poderiam atrapalhar seus planos.
Dino Miraglia foi um dos silenciados. Ele tem certeza de que assinou sua “sentença condenatória” quando aceitou defender clientes que haviam batido de frente com esse grupo político.
Acabou indiciado e, mais tarde, processado.
Sua casa e seu escritório foram alvos de mandado de busca e apreensão. “Cheiraram a calcinha da minha mulher e apontaram metralhadora para minha secretária”, recorda.
Depois disso, perdeu a esposa, a secretária e o escritório.
“O que você faz hoje?”, pergunto.
“Limpo bosta de cachorro”, diz ele, num restaurante à beira da estrada, perto da chácara que ele alugou para montar um spa animal.
O negócio é bem montado, mas Dino Miraglia não tem empregado. Vive e trabalha só.
Quando não está cuidando dos animais, ele está no notebook velho que usa para defender clientes de causas criminais que, aos poucos, vai retomando.
Sabe que não voltará a ser o criminalista renomado de antes.
Na semana passada, cinco anos depois de ser vítima dessa violência por parte do estado, a Justiça o inocentou de todas as acusações.
Foi absolvido por inexistência de crime e de fato previsto como crime. Ou seja, não houve crime nenhum. Mas ele teve a vida destroçada, assim como seus clientes.
Carone passou nove meses na cadeia, que deixou quatro dias depois de Aécio perder a eleição. Nílton Monteiro já acumulou cerca de três anos de cadeia, em períodos intercalados. Numa das vezes em que ficou preso, deixou o presídio também logo depois da derrota de Aécio.
Hoje está em liberdade condicional, para se tratar de um câncer na próstata.
Numa prova de que o grupo que eles enfrentaram continua forte, em junho, quando o Ministério Público pediu a absolvição deles, uma promotora apresentou outra denúncia contra os três, pelos mesmos fatos.
O juiz aceitou, e um novo processo vai se iniciar.
Dino, Carone e Nílton apresentam argumentos convincentes de que não cometeram crime nenhum, como tardiamente o MP reconheceu, mas sabem que, pela escolha que fizeram, estarão sempre com a espada sobre suas cabeças.
Não é fácil enfrentar os poderosos. Os verdadeiros poderosos.
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Esta é a primeira reportagem de uma série sobre o poder de Aécio Neves em Minas Gerais.