POR JOAQUIM DE CARVALHO E PEDRO ZAMBARDA
Em setembro de 2017, quando a primogênita do guru bolsonarista Olavo de Carvalho publicou uma carta aberta denunciando o próprio pai, o DCM a procurou.
Bacharel em direito, Heloísa de Carvalho deu entrevista ao site e revelou, com exclusividade, que o empresário Guilherme Beltrão Almeida, de Curitiba, financiou a primeira moradia de Olavo de Carvalho nos Estados Unidos.
A informação foi confirmada com o documento do transferência da casa. Procurado pelo DCM, Guilherme Almeida nunca desmentiu a notícia sobre seu relacionamento com Olavo, que foi seu professor no curso de filosofia.
Guilherme é filho do mega empreiteiro Cecílio do Rego Almeida, já falecido, dono de uma das cinco maiores empresas de construção civil no Brasil durante a ditadura, envolvido em negócios nebulosos com a administração pública.
Um novo capítulo sobre o papel da família do empreiteiro na vida de Olavo de Carvalho surge agora, de novo por iniciativa de sua primogênita.
Em julho, Heloisa viu que seu irmão Davi procurou o pai na rede social. “Pai, preciso falar com você no privado”, escreveu, em diferentes postagens. Na avaliação de Heloisa, ele parecia preocupado.
Davi foi o filho de Olavo que esteve inscrito no programa Bolsa Família entre 2013 e 2016 com a mulher, Stephanie Ferro.
O caso foi investigado pelo Ministério Público, e Stephanie Ferro disse através da rede social que, em 2012, o casal, que tinha na época um filho e outro a caminho, passou necessidade, a ponto de não ter dinheiro para comer.
Segundo sua versão, foi por isso que ela fez o cadastro num departamento de assistência social da Prefeitura de Atibaia, onde morava, para ter isenção na taxa de inscrição para o exame da OAB.
Foi habilitada para o Bolsa Família e, algum tempo depois, tinha créditos a receber.
Uma situação que contrasta com o contrato social da empresa Leading Oil do Brasil, de 2007, em que Davi de Carvalho aparece como diretor de marketing e o irmão, Luiz Gonzaga de Carvalho Neto, como diretor comercial.
A empresa, que usava Fox como nome fantasia, tinha capital social de R$ 30 milhões, e em 2003 e 2004 deixou de recolher os tributos. Em 2018, esse dívida já era de quase R$ 100 mil.
Davi de Carvalho sempre se apresentou como artista plástico, teve uma marchetaria em casa e foi inscrito no Bolsa Família. Uma pessoa de vida modesta.
Como pode uma pessoa sem o ensino fundamental completo virar diretor de uma empresa que valia no papel R$ 30 milhões?
Com faro para falcatrua e motivada por uma profunda insatisfação com o pai, que ela entende ser um influência nociva para o país, Heloisa descobriu que o ex-beneficiário do Bolsa Família era executivo da Leading Oil do Brasil, mas não exercia de fato a função.
Descobriu mais: a empresa tinha como sócio majoritário a Leading Oil LLC, com escritório em Miami, na Flórida, onde também morava Guilherme Almeida, o filho do mega empreiteiro.
Bingo: um tributarista que prefere não revelar o nome diz que Davi tem o perfil de laranja e que o contrato social da Leading Oil do Brasil mostra que o real proprietário da empresa fez questão de se manter oculto.
Luiz Gonzaga de Carvalho Neto também tem o perfil de laranja, mas ele não teve as mesmas complicações judiciais que o irmão, embora, no papel, Luiz Gonzaga respondesse pela área comercial da empresa.
Davi de Carvalho foi processado judicialmente para pagar a dívida de R$ 100 mil da Leading Oil do Brasil que era cobrada pela Receita Federal por impostos atrasados. Nesse processo, aparece outro elo com Guilherme Almeida.
A banca que o defende, Beppler & Puppi Advogados Associados, é a mesma que representa Guilherme Almeida em outro processo, a que cobrava mais de R$ 128 milhões de honorários advocatícios supostamente devidos pelo Estado do Paraná.
A dívida era supostamente devida porque pelo menos um governador do Estado, Roberto Requião, questionou a legalidade do precatório resultante de uma obra executada pela empreiteira do pai de Guilherme Almeida que gerou uma disputa judicial que se arrastou por quase 50 anos.
Detalhes sobre essa obra, que deu prejuízo bilionário ao Estado, serão tratados mais adiante. Por ora, fiquemos no capítulo dos laranjas.
No papel, real proprietário, que se esconde atrás da Leading Oil LLC, tinha um sócio, Eduy Ferro, sogro de Davi e um discípulo de Olavo de Carvalho.
Eduy, que respondia pela empresa no Brasil, era dono de apenas uma cota entre as 30 milhões que compõem a pessoa jurídica.
Era ele quem assinava pela empresa e formalmente nomeou os filhos de Olavo de Carvalho como diretores. Formalmente, porque a decisão coube ao dono da empresa nos Estados Unidos, a Leading Oil LLC, ao que tudo indica, Guilherme Beltrão Almeida.
Um dos filhos, Davi, era também seu genro de Eduy Ferro, o procurador da empresa no Brasil, mas também um homem que entendia de combustível tanto quanto Garrincha entendia de física quântica.
Ele era mais conhecido por ajudar Olavo de Carvalho a arregimentar alunos e alunas, chegou a morar na Virgínia, onde também reside o guru do bolsonarismo.
Em 2016, Eduy morreu, dois anos antes da Leading Oil do Brasil encerrar suas atividades, conforme registro na Junta Comercial.
O DCM esteve no endereço em que a empresa foi registrada, Rua Doutor Eli Volpato, 600, Araucária, cidade vizinha de Curitiba, e ali funciona hoje uma distribuidora de combustível que tem outro nome, Batuvy, que é controlada pela Sul Plata Trading do Brasil Ltda.
Heloisa de Carvalho já gerenciou posto de gasolina e diz que a atividade pode ser usada para lavagem de dinheiro.
Um exemplo é o posto de combustível da Torre em Brasília, que pertencia ao doleiro Carlos Habib Chater, e era usado como instrumento para esquentar e esfriar recursos que não podem ser contabilizados oficialmente.
Não se pode cravar que seja este o caso da distribuidora que teve os irmãos de Heloisa como diretores, mas não há dúvida de que é uma história nebulosa.
Tão nebulosa que o DCM enviou e-mail para todos os envolvidos direta ou indiretamente no caso da Leading Oil do Brasil, incluindo Olavo de Carvalho, e não houve resposta.
A ferrovia que deu prejuízo bilionário aos cofres públicos
Em 1949, o Paraná decidiu construir uma ferrovia para ligar Apucarana, no norte do Estado, região que na época produzia café até Ponta Grossa.
O objetivo era encurtar o caminho até os portos de Antonina e Paranaguá.
A estrada de ferro tinha uma extensão de 320 quilômetros e as primeiras obras se iniciaram no primeiro governo de Moysés Lupion, e ficaram a cargo da Companhia Byington, de São Paulo, que recebeu como pagamento terras onde hoje se situam os municípios de Pérola, Xambrê e Altônia.
No governo seguinte, de Bento Munhoz da Rocha Netto, a obra ficou praticamente parada.
A ferrovia voltou a ser tocada em 1955, quando foram fixados o traçado e a posição definitiva do eixo da linha. O governador Adolpho de Oliveira Franco pediu à Assembleia Legislativa crédito especial e teve repasses do Ministério de Viação e Obras Públicas.
Em 21 de janeiro de 1956, o governador inaugurou o primeiro trecho da obra: a ligação de 30 quilômetros entre Apucarana e Marilândia do Sul.
Durante o segundo governo de Moysés Lupion, de 1956 a 1961, a Central do Paraná passou para o governo federal.
Mas o governador Ney Braga, que administrou o Paraná de 1961 a 1965, retomou a ferrovia, cuja construção se concentrou praticamente em trabalhos de terraplenagem.
Quando Paulo Pimentel assumiu o governo do Estado, em 1966, relata o site Contraponto, a Central do Paraná passou a ser prioridade.
Foi quando o governo federal propôs que o Paraná construísse a ferrovia, comprometendo-se a ressarcir o investimento.
E em 1968, a CR Almeida, por conta dessa decisão governamental, entrou na história da construção da ferrovia. Pimentel fez empréstimos no exterior e as obras foram reiniciadas.
Mas avançavam e paravam, sempre em função do dinheiro, pois os repasses federais nunca eram suficientes para ressarcir o Tesouro do Estado. Nesse meio tempo, a CR Almeida passou a cobrar os prejuízos pelo atraso nos pagamentos.
Há controvérsias. Há quem diga que a CR Almeida recebeu integralmente pela obra, mas, mesmo assim, recorreria mais tarde à Justiça para tentar o ressarcimento bilionário, que, indiretamente, alcançou a família de Olavo de Carvalho.
O governo Emílio Gomes, de 1973 a 1975, impulsionou as obras, deixando-as quase prontas para a inauguração, o que acabou ocorrendo no dia 11 de novembro de 1975, já no governo Jayme Canet Junior.
A inauguração foi realizada na cidade de Ponta Grossa, com a presença do general Ernesto Geisel, que chefiava o governo federal na época.
Atualmente, a Estrada de Ferro Central do Paraná é operada pela concessionária Rumo, conforme registra o Contraponto.
A CR Almeida recorreu à Justiça ainda na década de 1970, para receber os pagamentos. A batalha judicial percorreu todas as instâncias e respectivos tribunais. O Estado foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Paraná nas décadas de 1980 e 1990, a pagar a construtora.
O governo de Fernando Henrique Cardoso deixou tudo encaminhado para que a União fizesse acordo com o Estado do Paraná e repasse quase R$ 3 bilhões, que acabariam nos cofres da CR Almeida.
O advogado-geral da União no primeiro governo Lula, Álvaro Augusto Ribeiro Costa, se opôs ao pagamento, conforme registram reportagens da época. Ele chegou a dizer que a União pagaria duas vezes pela mesma obra.
O caso se arrastou no STF até 2007, quando o caso foi encerrado, com a corte considerando que a União nada devia em relação à Ferrovia Central do Paraná.
Mas esta decisão não invalidou o acórdão no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, na ação que era demandada pela CR Almeida. O governador da época, porém, se recusou a pagar, e a Procuradoria do Estado interpôs recursos.
Quem recorda é Roberto Requião, em live realizada pelo DCM:
“Cecílio Almeida morreu e a família recebeu R$ 2,6 bilhões para a construção da ferrovia central do Paraná, que eu não paguei! A mim parecia uma convicção parecida com a do Dallagnol, a quem dou a referência, ‘grande líder da moralidade brasileira’, que aquilo era um trambique feito e que o Judiciário jamais deveria ter feito algo do gênero”.
E ele deu o nome de quem fez o pagamento indevido:
“Eu não paguei, mas eles voltaram ao governo. O ‘Rato’ pagou. Não sei quanto queijo há nesse pagamento iniciado em fevereiro de 2020. Eu não paguei aquele valor. Tiveram que me tirar do governo do estado para isso. Não tinha sido eleito governador para concordar com um absurdo daquele tamanho”.
O ‘Rato’ é Carlos Roberto Massa “Ratinho Júnior”, o atual governador do Paraná e filho do apresentador Ratinho do SBT.
No curso da ação, porém, enquanto eram discutidos embargos, a empreiteira conseguiu receber uma pequena parte, como uma fração dos honorários de R$ 128 milhões arbitrados pelo Judiciário do Paraná.
Parte desse dinheiro, no valor de R$ 30 milhões, foi oferecida em 2007 como promessa de pagamento pela aquisição do controle da distribuidora de combustível Essence, que pertencia à Augusto César Tramujas Samways Filho e duas mulheres com o mesmo sobrenome, Ana Paula e Fernanda.
Na Junta Comercial, pouco depois, o engenheiro Eduy Ferro, discípulo de Olavo de Carvalho, sócio e procurador da empresa, registrou o nome dos filhos do guru como diretores.
É certo que eles não tinham perfil para a função e, cinco anos depois, Davi de Carvalho estava registrado para receber o Bolsa Família.
É uma história que não cola e mostra que, por trás do moralismo alardeado por Olavo de Carvalho, existe um enredo muito mal explicado e que revela que não talvez não seja a filosofia o motivo que aproximou o filho milionário do empreiteiro ao ideólogo destes tempos obscuros no país.