O PSL de São Paulo vive dias tensos e pode ter a renúncia de todos os seus candidatos a vereador, exceto um, em razão de uma estranha divisão de recursos do fundo público criado para financiar campanhas eleitorais.
A ameaça de rebelião começou depois que se tornou público que o candidato a vereador Abou Anni Filho recebeu R$ 2 milhões do partido, enquanto seus colegas não têm sequer material de propaganda para distribuir aos eleitores.
Abou Anni Filho nunca ocupou um cargo eletivo. Ele é filho de um deputado federal que já foi vereador em São Paulo. Abou Anni, o pai, entrou na política em 2004, depois que se aposentou como segundo sargento da PM.
Na época, o pai se elegeu pelo PV e, em 2018, aderiu ao bolsonrismo, e teve 69.256 votos. É uma votação relativamente pequena para o cargo, mas se elegeu graças à expressiva votação da legenda e de outros candidatos do partido.
O filho de Abou Anni recebeu o dobro da verba já repassada à candidata a prefeita pelo partido, Joice Hasselmann.
Com R$ 1 milhão já recebidos, segundo o site do TSE, Joice foi cobrada por outros candidatos a vereador, num grupo de WhatsApp, e desabafou:
“É um absurdo completo. Um desrespeito. Só eu – Joice – dei em 4 anos 55 milhões para o partido e estamos passando por essa situação vexaminosa”.
Como assim, ela deu 55 milhões para o partido?
Não foi ela, mas o comentário não é totalmente despropositado. É que a divisão do Fundo Partidário é feita com base na votação da chapa de deputado federal — sejam os votos em candidatos ou na legenda.
Joice teve 1.078.666 votos, quase 16 vezes a votação do candidato cujo filho recebeu R$ 2 milhões.
“Todos têm razão ao achar minimamente estranho que um candidato tenha tudo e os outros NADA, quando a própria prefeita que encheu o bolso do partido de dinheiro está passando por constrangimentos e contingenciamentos irracionais. ENTENDO E CONCORDO COM VOCÊS. O problema não é dar muito para mim. É não dar nada para os outros e ainda querem restringir quem ajudou o partido a ficar rico. Pronto. Desabafei”, disse.
A conversa a que o DCM teve acesso com exclusividade foi privada, embora o interesse público do debate seja evidente. Na quarta-feira, conforme registrou um dos candidatos do PSL, Xerife Animal, a insatisfação poderá se tornar pública. Há candidatos que cogitam desistir da disputa.
Presidido por Luciano Bivar, o PSL virou caso de polícia justamente em razão da suspeita de desvio de recursos do Fundo Eleitoral.
O próprio Bivar teve endereço ligado a ele alvo de busca e apreensão no inquérito em que o presidente do PSL foi tratado como suspeito de usar mulheres como candidatas laranjas apenas com o objetivo de destinar o dinheiro para outras finalidades — entre estas, há a hipótese de embolsar o recurso.
Chefe do PSL em Minas Gerais, o ministro do Turismo de Bolsonaro, Marcelo Álvaro Antônio, foi denunciado criminalmente por desvio de recursos do Fundo Partidário.
Ele foi acusado por candidatas de ficar com o dinheiro público que deveria ser usado por elas durante a campanha. Estranhamente, quase um ano depois, a Justiça ainda não decidiu se aceita ou não a denúncia do Ministério Público.
Esses casos vêm à tona quando se sabe que o filho de um deputado federal recebeu verba desproporcional. O que está por trás? É a pergunta óbvia. É a recompensa a Abou Anni por não ter seguido no barco de Jair Bolsonaro, quando este deixou o partido?
O PSL nunca se notabilizou por qualquer contribuição relevante para a democracia brasileira. Era uma legenda inexpressivas e à disposição para negócios. Exagero? Não. Foi assim que o Partido abriu suas portas para Bolsonaro usar sua legenda. Em troca, recebeu uma fortuna. Fortuna dos cofres públicos.
Se o dinheiro estivesse sendo usado de acordo com critérios democráticos e republicanos, não haveria problema.
A questão é que, no partido de caciques, os índios ficaram ficaram chupando o dedo. E agora podem deixar Joice, que “deu” o dinheiro ao partido, sozinha. Ou quase sozinha.