Para o TCE-RS, o prefeito de Porto Alegre é responsável direto por “lesão ao erário” da capital do RS (crédito: TCE-RS)
A Prefeitura de Porto Alegre – sob o comando do prefeito Sebastião Melo (MDB) – adquiriu em 2022 materiais escolares superfaturados para a rede pública de ensino municipal em valores que chegaram a até 971% de sobrepreço. Além disso, o poder público municipal pagou 112 vezes por um mesmo curso de forçaão ministrado à rede docente, adquiriu materiais escolares suerfaturados em até 971% e contratou empresa considerada inidônea pela receita Federal e proibida de contratar com a União.
As informações são do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul. Constam no Relatório 2754/2023-1, da Direção de Controle e Fiscalização do TCE-RS, concluído no início deste ano e ao qual o DCM teve acesso. O documentou chegou a ser utilizado como base em uma Comissão Parlamentar de Inquérito instalada na Câmara de Porto Alegre no início do ano.
O governo, porém, detendo maioria na casa legislativa, conseguiu arquivar as denúncias sem que a imprensa e o público tivessem tomado conhecimento do tamanho e da diversidade de mecanismos de desvio de recursos que teriam sido empregados pela prefeitura na pasta da educação.
Diversidade de técnicas de desvio
A peça técnico-documental evidencia que, utilizando recursos do povo porto-alegrense, a administração municipal gastou quase até 1000% a mais do valor de mercado na aquisição de materiais pedagógicos a serem utilizados por estudantes das escolas municipais, como réguas, esquadros e materiais de laboratório.
Além disso, gastou R$ 7,3 milhões comprando mais de 150.000 livros com superfaturamento. Em certos casos, o superfaturamento ultrapassou 200%.
Finalmente, as compras com preço muito acima do mercado foram feitas junto a uma empresa já identificada como inidônea pelo governo federal, e proibida de estabelecer contratos com a União, sejam de compra e venda ou fornecimento de serviços. A empresa também é reincidente em vendas superfaturadas a prefeituras e é investigada pelo Ministério Público.
Entre outros servidores, o documento do TCE-RS aponta o prefeito Sebastião Melo (MDB) como um dos responsáveis diretos pela malversação dos recursos públicos (veja abaixo).
Superfaturamento de 971%
O documento aponta que, ao longo de 2022, a prefeitura despendeu R$ 137,2 milhões em compras da pasta de Educação. Entre os objetos adquiridos, estão computadores (R$ 49,6 milhões), brinquedos (R$ 4,2 milhões) e equipamentos para montagem de laboratórios (R$ 7,3 milhões).
Os técnicos do órgão de controle detectaram superfaturamento na compra de uma série de itens. As maiores discrepâncias entre o preço médio de mercado e aquele pago pela Administração Melo foram:
- Equipamentos para ensino das relações trigonométricas. Superfaturamento: 289%
- Frasco com tampa anti gotas para laboratório. Superfaturamento: 711%
- Tubo de ensaio. Superfaturamento: 737%
- Régua geométrica. Superfaturamento: 971%
O desperdício de dinheiro público com superfaturamento é apenas uma das práticas da administração municipal que contrariam a Lei e os princípios da Administração Pública. Além dele, a corte de contas gaúcha identificou as seguintes formas de praticar mau uso ou desviar dinheiro:
Equipamentos mofados
Aquisição e/ou destinação de equipamentos às escolas com defeitos e até mofo, com pagamento adiantado à empresa fornecedora. O TCE-RS chama essas compras e manuseios de “irregularidades graves” e “erros grosseiros” (veja abaixo).
Compras inúteis e dispêndios em duplicidade
O TCE-RS aponta irregularidades nas compras executadas para que um mesmo tipo de material fosse adquirido duas vezes (com cada item adquirido duas vezes para cada um dos alunos da rede pública, falseando a aquisição de produtos idênticos como se fossem dois artigos diferentes. É, assim, um desperdício puro de dinheiro público.
O órgão de controle pontua que algumas compras não possuem a menor coerência ou necessidade técnica, o que faz supor que tenham sido realizadas apenas para desviar dinheiro público.
Uma dessas compras deliberadamente duplicadas é a dos chamados “laboratórios de ciência e matemática”. O custo dessa operação foi de R$ 745 mil.
O que se deu, na prática, foi uma milionária compra inútil dos chamados “conjunto portátil de experiências investigativas” e “conjunto de recursos digitais”. Cada escola da rede pública deveria receber um conjunto de cada tipo, mas foram comprados pela prefeitura dois produtos para cada unidade de ensino.
Os equipamentos em duplicidade foram comprados junto à empresa Astral Científica Comércio de Produtos e Equipamentos Ltda, que recebeu R$ 753 mil pelos produtos. Para o TCE-RS, a compra duplicada é “infundada e redundante, destoando completamente do princípio da eficiência, consagrado na Constituição Federal”, conforme se lê abaixo:
Mesmo curso de formação pago 112 vezes
Conforme se observa ainda no mesmo documento, a Astral vendeu, a prefeitura pagou e não foram ministradas aulas de formação aos professores de matemática no dia 5 de setembro de 2022. Assim, trata-se de desvio de recurso público puro e simples, uma vez que a prefeitura pagou e não recebeu pelas referidas aulas.
Além disso, a Astral cobrou da prefeitura por, em teoria, ter ministrado 112 cursos de formação para professores de matemática e de ciências. Na realidade, porém, o que foi entregue foi um único curso ministrado em apenas uma aula, disponibilizada em um arquivo de vídeo de internet, muito embora a promessa era a de que fossem ministradas aulas individuais para cada docente, de forma presencial. Veja trecho abaixo.
Segundo o TCE-RS, os gastos irregulares chegam a R$ 745,25 mil só com esses cursos, extrapolando “o que seria razoável, eficiente ou mesmo logicamente dedutível de cenários racionais.
Culpa comprovada do Prefeito de Porto Alegre
Os vereadores da situação na Câmara de Porto Alegre, após realização de uma CPI, acharam por bem livrar o prefeito Sebastião Melo de qualquer responsabilidade pelos superfaturamentos e desvios ocorridos na Educação.
Já os técnicos do TCE-RS não têm dúvidas em apontar o prefeito como um dos cinco responsáveis (junto com a própria empresa Astral e mais três servidores) pelo desvio do dinheiro do contribuinte de Porto Alegre, como se pode ver abaixo, em documento que destaca o fato de Melo (chamado de “Responsável 3”) ter autorizado a compra em regime de urgência dos produtos superfaturados e comprados em multiplicidade.
Compra superfaturada de mais de 150 mil livros
O estudo do TCE-RS mostra que a Prefeitura de Porto Alegre comprou mais que 150 mil livros superfaturados só em 2022.
Isso porque Sebastião Melo decidiu que iria abastecer as bibliotecas das escolas de educação infantil 112,5 mil novos livros. Foram adquiridas 60 obras, sendo 1.875 unidades de cada uma, a serem distribuídas por toda a rede municipal. Em todas foram encontrados sobrepreços. Veja alguns exemplos abaixo. Em um deles, o valor superfaturado chega até 137%.
Além disso, foram encontrados superfaturamentos de até 219% em dezenas de milhares de livros adquiridos para as bibliotecas de ensino fundamental, novamente comprados sob regime de urgência autorizado pelo prefeito. Veja alguns exemplos abaixo.
De acordo com o TCE-RS, o prejuízo para o contribuinte de Porto Alegre com a compra superfaturada de livros chegou quase a R$ 5 milhões.
Novamente, o prefeito Sebastião Melo foi apontado como um dos responsáveis diretos pelo mau uso do recurso público, como se pode ver em trecho do relatório da corte de contas abaixo.
Contratação de empresa com selo de inidônea, proibida de contratar com a União e reincidente em vendas superfaturadas
A empresa Astral Científica Comércio de Produtos e Equipamentos Ltda, que vendeu à prefeitura o equipamento pedagógico superfaturado, os cursos de formação de professores que nunca foram ministrados, os materiais para montagem de laboratório em duplicidade, entre outros contratos, possui selo de empresa inidônea do governo federal e está proibida de contratar com a União desde maio de 2022. Veja abaixo.
Isso não impediu que a administração Melo firmasse contratos com a referida companhia em datas posteriores à publicação da medida proibitiva federal.
Além disso, a prefeitura de Goiânia havia assinado contratos superfaturados com a mesma empresa (Astral Científica) no ano anterior, 2021, fato que chegou, inclusive, a ser noticiado pela imprensa. O dinheiro público envolvido nesses contratos chega a R$ 21 milhões. Veja trecho abaixo:
Enquanto as águas deixam Porto Alegre submersa, a lama da corrupção encarde as bases da Educação da capital gaúcha.