Originalmente publicado em REDE BRASIL ATUAL
Um homem armado invadiu um centro de operações da empresa de entregas FedEx em Indianápolis, no estado da Indiana, matou oito pessoas e feriu pelo menos outras sete. O episódio ocorreu na noite desta quinta-feira (15) por volta das 23h – 0h de sexta em Brasília – no armazém da companhia que fica perto do Aeroporto Internacional da cidade.
Segundo a polícia, uma equipe foi chamada pouco depois das 23h para atender a uma denúncia de disparos de tiros. Ao chegar no local, a polícia encontrou o “atirador ativo” que “imediatamente tirou a própria vida”. Até o momento, os policiais ainda trabalham para identificar o homem. Não se sabe se era um funcionário da empresa ou qual seria a motivação do ataque.
À imprensa local, o vice-chefe de investigações criminais da polícia de Indianápolis, Craig McCartt, descreve que o tiroteio teria durado de um a dois minutos. Segundo ele, quando a equipe chegou na ocorrência encontrou uma “cena caótica”, com “funcionários correndo”. A suspeita é de que o atirador tenha dirigido até o prédio e, ao sair do carro, de imediato, tenha começado a disparar antes de entrar no depósito. Oito pessoas não resistiram aos ferimentos à bala e foram encontradas mortas nas instalações. Os cinco feridos foram hospitalizados, um deles em estado crítico. Outras duas pessoas, segundo a política, foram tratadas no local e liberadas.
Terceiro tiroteio na cidade em 2021
De acordo com o reportagem do jornal The New York Times, muitos dos funcionários da FedEx não estavam com seus celulares no momento do atentado e não puderam entrar em contato com suas famílias. A falta de informações agrava a angústia de mais de 100 pessoas que, durante a madrugada desta sexta, estavam reunidas em um hotel da cidade aguardando notícias.
Na cidade e entre as autoridades locais o clima é de “tristeza e injustiça”, segundo os jornais. Esta não é a primeira vez que a cidade presencia um ato de violência como este. Apenas neste ano, trata-se do terceiro ataque a tiros em Indianápolis. Em janeiro, cinco pessoas foram baleadas e mortas em uma casa, incluindo uma mulher grávida. Dois meses depois, na zona leste do município, um homem foi acusado de matar a tiros quatro pessoas, entre elas uma criança de 7 anos, e ferir gravemente uma mulher após uma discussão doméstica.
A cidade também tem um aumento no número de homicídios desde 2020. No ano passado, 215 homicídios criminais foram registrados, conforme os dados do Departamento de Polícia reportados pelo The New York Times. Houve ainda outros 30 mortes consideradas pelas autoridades como “legítima defesa”. Até então, o maior número de casos era de 159 homicídios, apontados em 2018. O recorde é 40% maior em relação ao registrado em 2019.
E o sétimo no mês nos EUA
O ataque a tiros na cidade é também o sétimo massacre em apenas um mês nos Estados Unidos. O país admirado pelo presidente Jair Bolsonaro, incansável na defesa da flexibilização da compra e posse de armas de fogo e munições no Brasil, vive hoje uma “epidemia de violência com armas de fogo” que já tirou a vida de mais de 40 pessoas e deixou dezenas de feridos em sete estados diferentes nos últimos 30 dias.
A impressão do prefeito de Indianápolis, Joe Hogsett, é que “em muito casos, a resolução de conflitos está sendo realizada pelo uso de armas”. O chefe de investigações McCartt também advertiu à imprensa estadunidense nesta sexta que “todos deveriam se preocupar com a frequência com que isso está acontecendo”. Entre 16 de março e 12 de abril, tiroteios em massa foram registrados nos estados da Geórgia, Colorado, Califórnia, Tenesse, Carolina do Sul e Texas.
Há décadas os Estados Unidos convivem com massacres em decorrência da facilidade de acesso às armas de fogo no país. Mesmo com o peso na história de massacres como o da escola de Parkland, na Flórida, em 2018, que deixou 17 mortos entre estudantes e professores, até o tiroteio em massa na escola Sandy Hook, em Connecticut, em 2012, que matou 20 crianças e 7 adultos, incluindo o próprio atirador que cometeu suicídio. Ou do ataque mais mortal da história dos EUA, em 2017, no qual um homem matou 59 pessoas e deixou outras 500 feridas em Las Vegas.
Armas nos EUA, epidemia e vergonha internacional
Apesar do histórico de violência, em alguns estados do país sequer é exigida a verificação de antecedentes criminais para a compra de armas. Anualmente, segundo dados da organização Gun Violence Archive, o número de tiroteios cresce nos EUA. No ano passado, atormentado pela pandemia, mais de 600 ataques a tiros foram registrados. Em 2019, o total foi de 417.
Na contramão de Jair Bolsonaro, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, vem pressionando os congressistas desde sua campanha por mais controle na compra e posse de munições e armas nos EUA. Há três semanas, por conta do massacre em Colorado, o democrata cobrou que sejam verificados os antecedentes criminais, que armas de guerra sejam proibidas e que se anule a imunidade legal para os fabricantes. A preocupação do presidente é também com as chamadas “armas fantasmas”, que não permitem rastreio e podem ser construídas em casa a partir de um kit com peças e ferramentas encomendado pela internet.
“A violência com armas de fogo neste país é uma epidemia e uma vergonha internacional”, declarou Biden à época.
O Brasil na contramão
Na rota inversa de Biden, Bolsonaro já apresentou 33 medidas para aumentar o armamento nas ruas com o argumento de que uma suposta circulação maior traria segurança. Uma postura negacionista e anticientífica, motivada por razões antidemocráticas, como advertiu nesta semana na Rádio Brasil Atual o advogado, analista de segurança e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Ivan Marques.
O especialista analisava os decretos editados na noite de véspera do carnaval deste ano por Bolsonaro para ampliar o acesso a armamentos. Alguns trechos foram suspensos por liminar concedida pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), e estão em julgamento pelo plenário virtual da Corte. Marques chama atenção para uma política mais rígida de acesso a objetos fatais, assim como para o fortalecimento do Estatuto do Desarmamento, de 2003, que está sob ataque no governo Bolsonaro. Especialistas em segurança pública são unânimes ao apontar que, sem a a legislação, massacres como o da escola em Suzano, em São Paulo, poderiam ser piores. O incidente, em 2019, deixou 10 mortos e dezenas de feridos traumatizados.
“A arma de fogo aumenta e acelera os processos já violentos numa sociedade como a nossa. É muito comum o debate de que armas não matam, quem mata são pessoas que as usam . Mas num contexto de violência deflagrada e defasagem na área de segurança pública, de incapacidade do Estado de controlar essas convulsões sociais que acabam transformando a sociedade brasileira em uma sociedade violenta, trazer mais armas de fogo, facilitar o acesso, flexibilizar o pouco controle que temos é justamente jogar gasolina nessa fogueira que vem queimando e matando mais de 40 mil brasileiros todos os anos”, advertiu Marques.