Entre 2019 e 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, o Exército concedeu e renovou registros de CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores) a pelo menos 44 pessoas que respondem à Lei Maria da Penha. Houve maior flexibilização da política de desarmamento no país durante o período e diversos condenados por crimes graves receberam autorização para ter acesso a armas.
Entre os que respondem à lei de violência doméstica, 29 cumpriam pena por terem violado medidas protetivas de urgência, como afastamento do local de convivência da vítima e proibição de se aproximar dela e seus familiares. Os outros 15 tinham mandados de prisão em aberto pelo mesmo crime.
Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) mostrou que mais de 5 mil pessoas que foram condenadas por algum crime conseguiram obter, renovar ou manter os certificados para possuir armas de fogo. Mais de 1,5 mil delas estavam em processo de execução penal quando solicitaram as autorizações e outras 2.690 tiveram acesso liberado enquanto eram alvos de mandados de prisão em aberto, consideradas foragidas da Justiça.
No caso dos caçadores, a auditoria do TCU identificou que apenas 10% dos que obtiveram o registro solicitaram autorização necessária ao órgão responsável por regulamentar a atividade, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
A caça de javalis é autorizada por lei no Brasil, para auxiliar no controle populacional da espécie, e o abate é permitido após inscrição do caçador no Cadastro Técnico Federal (CTF), do Ibama. Para o TCU, esse dado mostra que diversas pessoas estão se “aproveitando para aumentar seus respectivos acervos e ter acesso a novos limites quantitativos de compra de armas e de munições a fim de usá-las em atividades diversas à caça, configurando desvio de finalidade”.
O levantamento do TCU ainda aponta que 1.505.158 CPFs registrados no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma) no período e pelo menos 73 mil deles constavam em boletins de ocorrência.
Entre os criminosos com o benefício, há 267 condenados pelo crime de ameaça, 180 por homicídio, 451 por lesão corporal, 322 por lesão corporal na violência doméstica, 190 por roubo, 1.646 por posse ou porte ilegal de arma de fogo e 324 por tráfico de drogas.
O tribunal aponta que houve uma série de fragilidades nas fiscalizações realizadas durante o governo Bolsonaro e que foram encontrados diversos registros incompletos ou inconsistentes. Segundo o relatório do órgão, os problemas reforçam “indicadores de criminalidade e abalam a sensação de segurança”.
O TCU avalia que a permissão para que criminosos do tipo mantenham os registros permite “a reincidência de práticas criminosas; a progressão da gravidade das condutas – por exemplo, a ameaça evoluir para um homicídio ou a lesão corporal contra a mulher evoluir para um caso de feminicídio; e a obstrução das investigações ou dos processos criminais – afinal, a arma pode ser utilizada para fuga, intimidação ou assassinato de testemunhas, entre outros”, diz o documento.