1. Não estude Direito; estude beisebol
Os estrangeiros gostam do Brasil. E os brasileiros sofrem de síndrome de Caramuru. Não faz muito, a professora de Harvard Lee Epstein esteve por aqui dizendo, do alto de sua cátedra, que no Direito não precisamos estudar teoria; basta que estudemos as regras do beisebol. Pior é que parece que a tese pegou. Pelo menos na primeira parte: já ninguém estuda teoria do Direito. Já as regras de beisebol, sei lá…
Por estes dias, a professora Amy C. Edmondson, também de Harvard, mostrou, em lançamento do livro O Jeito Certo de Errar, como líderes e empreendedores podem fazer do erro uma ferramenta para impulsionar a inovação e o conhecimento. Algo como o fracasso é o motor do sucesso.
2. Por que ninguém pensou nisso antes?
Como nas regras de beisebol, sempre se inventam novas funções para coisas como regras do Direito e o fracasso. Outro dia vi um livro chamado Jesus – o Maior Empreendedor. Outro: Quem Pensa Enriquece. Ainda: Hábitos Atômicos. Outro: Mais Esperto que o Diabo. Tudo no aeroporto. Fiquei impressionado… Faltou um livro: Burrice é Ciência: como Apreender a Ser um Néscio. Alguém deve estar escrevendo. Vou escrever um livro ensinando Como Não Comprar Livros em Aeroportos na Parte da Autoajuda e Empreendedorismo.
“Errar é inevitável”. Esse é mote defendido pela professora, uma das principais referências do mundo em gestão empresarial e liderança.
Na obra, a acadêmica usa seus mais de 25 anos de atuação como pesquisadora em psicologia social e comportamento organizacional para mostrar que erros são ferramentas poderosas quando os encaramos sem medo, discutimos suas causas e incorporamos esse conhecimento nos passos seguintes. (ver aqui matéria da Folha; há também longa entrevista no O Globo). O livro foi premiado.
Bom, que todo mundo erra em algum momento, nenhuma novidade. Porém, impressionou-me profundamente que um erro inteligente (sic) seja (ou possa vir a ser) fruto de um bom planejamento. Fico pensando aqui – e devo estar errado: por isso o Brasil não ganha Nobel. Vejam: posso estar errado no que eu disse. Mas isso pode ser bom. Compreendem?
O Brasil erra muito, mas não planeja o erro. Percebem? A professora sacou bem isso. Precisamos planejar o nosso fracasso.
3. Cinco maneiras de criar falhas inteligentes – anotem
A professora explica como criar uma cultura de falhas inteligentes. Novamente, o Brasil fica muito para trás. Não vou explicar aqui os cinco modos de criar falhas inteligentes das quais fala a professora.
Não quero tornar os leitores experts em errar. Não quero tornar os leitores assim tão vencedores. Egoísmo meu, confesso. Estou errado? É possível. Afinal, não planejei bem esse erro…
4. O erro jurídico como “motor do sucesso jurídico” – só o sarcasmo salva!
Óbvio que já quero adaptar os ensinamentos da professora para o Direito. Pensando aqui com meus botões: menos de 1% dos REsp são deferidos no STJ. No STF, nem sei qual o percentual de recursos extraordinários. Mais de 90% dos recursos são fulminados monocraticamente com violação do artigo 489 (CPC) e 315 (CPP). O que isso quer dizer? Quer dizer que mais de 90% de fracassos pode ser o combustível para o sucesso? Falta avisar os clientes.
E avisar os réus presos, cujos recursos são fulminados por violação da Súmula 7. Mesmo que a parte invoque um precedente de caso semelhante (que nem seria necessário, porque o exigido é que a ratio seja semelhante e não o caso), o recurso cai porque o precedente não é qualificado. Esses advogados… Deviam “treinar mais os erros”. Os causídicos não sabem fazer erros inteligentes, diria a professora. Por certo, não seguem (ainda) as cinco formas de errar…!
Pergunta indispensável: e o fracasso em quase 100% de embargos de declaração, cujo motor (sic) principal é o artigo 489-CPC (e 315-CPP), seria “combustível para o sucesso”?
Perder para ter sucesso?
Sei que a professora de Harvard é da área de empreendedorismo e gestão. Porém, sugiro que a professora ensine para a comunidade jurídica o modo como transformar essa quase unanimidade de “erros” — “cometidos” na busca heroica para suprir omissões via embargos (artigo 1.022-CPC), negados peremptoriamente com jargões como “nada há a esclarecer” ou “o autor quer rediscutir a causa” ou “decido por livre convencimento” — em um novo paradigma do erro-que-bem-planejado-pode se transformar em grande sucesso. Quem sabe esses 99,99% de rejeição de embargos não esteja sendo mal compreendidos? Talvez devêssemos “errar com mais inteligência…”.
Em outras palavras, talvez esteja faltando planejamento no erro. O Brasil está atrasado. Falta-nos errar de forma inteligente. Pronto.
É disso que se trata. Vamos ler as dicas da professora de Harvard. Já fico pensando em uma obra abrasileirada: O Jeito Certo de Cometer Erros nos Recursos e nos Embargos. Será sucesso, na certa!
Ah: claro que a tese premiada da professora de Harvard não deve servir para a medicina e para a engenharia, certo? Fico imaginado um livro como O Jeito Certo de Errar no Cálculo Estrutural de Edifícios. Ou Cinco Fórmulas Inteligentes para Criar Falhas Inteligentes em Operações de Joelho. E a segunda edição, revista e ampliada, Cinco Fórmulas Inteligentes para Errar em Operação Cardíaca.
Publicado originalmente na ConJur
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