Nelo Rodolfo tem 55 anos e está no seu terceiro mandato como vereador do PMDB na Câmara Municipal. Formado em Direito e dono de um vozeirão grave de sua época como jornalista e radialista na Jovem Pan, ele é o relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga as irregularidades da Sabesp durante a crise hídrica.
O DCM teve acesso ao relatório preliminar da CPI. O documento revê o contrato entre a Sabesp e sua reguladora, a ARSESP, em 2010, num conflito claro de interesses pelas duas entidades terem gestão do governo Geraldo Alckmin. Este mesmo relatório se encerra com 43 “providências, encaminhamentos e indicações” para que a empresa fornecedora de água solucione sua crise, de acordo com os dados de irregularidades analisados pelos vereadores.
Conversamos com Nelo Rodolfo sobre os verdadeiros propósitos por trás dos documentos levantados pela CPI, sobre as investigações do Ministério Público a respeito um suposto cartel de empresas terceirizadas dentro da Sabesp e sobre a criação de uma nova agência reguladora mais independente da Sabesp e da influência dos governos tucanos.
Tivemos acesso ao relatório preliminar da CPI da Sabesp. O principal ponto seria a criação de uma agência reguladora municipal. Isso é correto?
A meu ver, eu entendo que são dois os pontos principais. O primeiro ponto que precisa ser revisto, e que é urgente, é o contrato da prefeitura de São Paulo, que envolve a própria cidade. Quando nós tivemos aqui este documento, celebrado com a Sabesp e aprovado pela Câmara, fugimos de uma licitação para a empresa contratada no fornecimento de água. Eu não sei muitos detalhes porque na época eu trabalhava na Jovem Pan e não estava na política.
Aí você pode me perguntar: qual é a melhor empresa no país em fornecimento hídrico, na prestação deste serviço? É claro que é a Sabesp, não tenho dúvida nenhuma sobre isso. Mas eu entendo que a licitação tinha a obrigação de ser realizada, porque tem cidades da chamada Grande São Paulo e no interior que não são servidas pela Sabesp. Algumas são atendidas por empresas particulares, enquanto outras são companhias dos próprios municípios.
Eu estranhei não existir a licitação e houve a contratação da Sabesp que foi referendada pela Câmara dos Vereadores. Quando foi feito o contrato, estava previsto que a gente deveria ter feito um regulamento sobre a questão das águas.
Como isso funcionaria?
Isso funcionaria através de um plano sobre o saneamento da cidade. Não foi feito este tipo de regulamento pelo Poder Executivo para aprovação na Câmara. Este é o ponto principal a ser revisto pela CPI dentro da Sabesp. O contrato precisa ser revisado. O próprio Supremo Tribunal Federal decidiu que uma cidade como São Paulo não deveria ser gerida como ocorre em outras. O contrato da nossa cidade deveria ser único, só entre nós e a Sabesp, não como está o documento atual. A licitação pode até não tem tanta necessidade, mas a atualização do contrato é importante agora.
Qual é o outro ponto fundamental do relatório da CPI?
O outro ponto é que nós precisamos de uma agência municipal que fiscalize o serviço que está sendo feito pela Sabesp. Não vou questionar se é bom ou ruim, o fato é que quem fiscaliza deveria ser quem paga a conta, aprendi isso desde quando era pequeno. Não se justifica a atuação da ARSESP, que é uma entidade reguladora do governo do estado de São Paulo, fiscalize uma empresa que pertence à mesma gestão. Embora a Sabesp seja uma companhia de capital misto, seu maior acionista é este mesmo governo.
Nós recebemos a informação por aqui que, para fiscalizar a Sabesp no estado inteiro, nós temos apenas três funcionários da ARSESP. É um número irrisório e contribui para a falta de transparência. Eu não sei, por exemplo, qual é a obra que está sendo feita, se está correta ou se o dinheiro descrito no contrato está sendo reinvestido na cidade.
Eu não estou querendo criar nenhum cabide de emprego, sou contra isso. Mas é necessário que São Paulo, a maior cidade do país, uma das principais capitais do país, tenha sua própria agência para regular o entendimento sobre o fornecimento de água. A gente só está conseguindo ver todos esses problemas agora por causa da crise hídrica.
A população sozinha economizou 82% de água. Os moradores sozinhos economizaram uma Guarapiranga inteira hoje e vai lá a ARSESP e determina um aumento de 15% da conta. Eles fizeram isso sem entregar a água e ainda cobrando o triplo da inflação.
E a Sabesp ainda queria um aumento maior de tarifa, não é?
Sim. Por isso temos dois pontos no trabalho da CPI a se acertar. A cidade precisa rever o contrato e criar sua própria agência para gestão das águas.
O DCM apurou junto ao Ministério Público denúncias de empresas terceirizadas formadas por ex-funcionários da Sabesp favorecendo licitações. Vocês estão apurando isso?
Nós colocamos no relatório que, no passado, se previa a situação da seca em São Paulo. Teve um ano que jogamos fora um [sistema] Cantareira em quantidades de água. A Sabesp contratou empresas que eram formadas por ex-diretores, gente aposentada, para desenvolver estudos. A empresa torrou milhões de reais neste processo e o estudo não foi feito direito.
Continuamos com 32% de perdas de água nas tubulações, totalmente desperdiçada, e faltou uma série de medidas que só estão sendo tomadas agora, no momento em que estamos vivendo a crise hídrica.
Isso acontece no mesmo momento em que acionistas ganham bônus milionários, certo?
Exatamente. Por isso eu acho que a CPI serviu para levantar toda essa situação dentro da empresa, e cumpriu seu papel. Gostei muito da presença do presidente [Jerson Kelman] nas duas sessões. Também apreciei a presença da outra presidente, Dilma Pena. Eles foram chamados e respeitaram a Câmara de São Paulo. Através deste trabalho, a população de São Paulo teve conhecimento sobre a situação que estamos vivendo.
Mas apesar dos porta-vozes da Sabesp respeitarem a CPI, o senhor perguntou ao presidente Jerson Kelman sobre a ARSESP e ele não respondeu. O que acha disso, vereador?
Eles não vão responder o que não podem falar. Tenho amigos dentro da Sabesp que eu consultei e acham justo isso, mas ninguém vai falar algo que está incômodo. O presidente da Sabesp não vai dizer que estamos certos porque para ele é mais cômodo que a gente continue na situação atual.
Também é cômodo que eles façam obras agora sem transparência, certo?
A questão da transparência da Sabesp, te digo o seguinte: quem tem essa incumbência para cobrar é a cidade de São Paulo. O município tá muito parado nesta crise. Seus secretários agem de maneira muito cômoda. Eles também não estão cobrando, não que isso seja a maior atribuição deles. No entanto, o maior contrato da prefeitura é com a Sabesp. E a gestão precisa indicar pessoas que estejam dispostas a cobrar para que a população seja bem atendida.