Em entrevista ao DCM, o antropólogo Juliano Spyer afirma que a esquerda precisa “aprender a dialogar” com evangélicos. “O primeiro desafio da esquerda é tirar as cartilhas debaixo do braço e encontrar essas pessoas frente a frente e aprender a ouvi-las”, argumenta.
Nesta quarta (10), ele publicou um texto intitulado “O antipetismo pentecostal” na Folha de S.Paulo. Ele fala da rejeição ao PT entre grupos evangélicos: “Os eleitores pentecostais que rejeitam o PT têm outro perfil em relação ao antipetista ‘original’, descrito como sendo branco, mais escolarizado, masculino e defensor de pautas anticorrupção”.
No artigo, ele ainda descreve vídeos de mulheres protestando contra Jair Bolsonaro: “Mostram seus corpos e cantam refrões como: ‘Chupo… E se me der eu chupo até a do capeta’. E: ‘Direito ao nosso corpo, legalizar o aborto’. E ainda: ‘Sou maconheira, sou feminista’. Estão em ambientes abertos com bandeiras vermelhas de partidos de esquerda e faixas dizendo ‘Fora Bolsonaro'”.
Para Spyer, a rejeição desses religiosos ao PT é causado por um “conservadorismo moral em relação a temas como homoafetividade, aborto e legalização das drogas”.
DCM: Em seu artigo o Sr. descreve um vídeo que circula entre as evangélicas mostrando outras mulheres protestando contra o Bolsonaro, ressaltando a eficácia comunicacional da peça. O Sr. entende que haja alguma forma de demover essas pessoas de pautarem-se pelas pautas morais?
Juliano Spyer: Não entendo que o caminho correto seja demover pessoas de suas convicções e, sim, aprender a dialogar com elas. O pastor Henrique Vieira falou recentemente em uma entrevista que o primeiro desafio da esquerda é tirar as cartilhas debaixo do braço e encontrar essas pessoas frente a frente e aprender a ouvi-las. Evangélicos são predominantemente, hoje, pobres, pretos, do sexo feminino, moradores das periferias. Eles são sensíveis a temas que afligem outras pessoas que estão nessas condições. O caminho para esse dialogo está em fortalecer interlocutores que já fazem esse diálogo há muitos anos, como é o caso do pastor Ariovaldo Ramos, da deputada federal Benedita da Silva, e atualmente do pastor Paulo Marcelo.
Em sua resposta o Sr. cita o nome de lideranças progressistas do mundo evangélico. Esses nomes atingem as periferias ou estão estão criando no movimento evangélico algo que possa ser comparado ao que foi a Teologia da Libertação para a Igreja Católica nos anos 70/80?
Todos conversam com a periferia. Estão, aliás, em uma disputa diária defendendo seu partido nas igrejas e suas igrejas no partido. O pastor Paulo Marcelo é especialmente importante nesse sentido, porque é – conforme escutei de outros evangélicos – um “evangélico real”, que fez carreira viajando o brasil e pregando em todos os rincões do país para evangélicos reais. A questão é, muitas vezes, que se quer o voto dos evangélicos, mas não o dialogo com eles.
O senhor fala da importância do diálogo com os evangélicos: qual seria o “mínimo denominador comum” para iniciar esse diálogo, conciliando a visão que eles têm das chamadas pautas morais com o que os progressistas acreditam nesse campo?
O fenômeno evangélico está muito relacionado à migração massiva de nordestinos do sertão rural. A família é o que sempre esteve presente para protege-los, porque o Estado muitas vezes não esteve. No bairro pobre em que eu fiz pesquisa de campo por 18 meses, vivendo e trabalhando, o posto de saúde abria às 10 da manhã e fechava às 17h, quando o médico aparecia. O hospital mais próximo ficava a 90 km.
E apesar disso, a maior reclamação das pessoas não tinha a ver com saúde e sim com o contraturno escolar. Cada vez mais, no contexto das cidades, pais e mães passam o dia trabalhando, e seus filhos têm apenas metade desse tempo nas escolas. Crianças e adolescentes passam o dia sem supervisão, porque não há o que se fazer nas periferias, não tem curso de inglês, de futebol, de artes marciais; falar sobre o cuidado com a família é o menor denominador comum.