PUBLICADO NO TIJOLAÇO
POR FERNANDO BRITO
A senhorita Tábata Amaral escreve, na Folha, sobre o que ela chama de “ousadia de ir além das amarras ideológicas“.
Fui ler, atraído pela propalada inteligência-prodígio da deputada, na esperança de que, mesmo pensando diferente, poderia ser um prazer esgrimir com argumentos e razões concretas sobre o porquê de me opor às propostas concretas contidas da reforma da Previdência.
Decepcionei-me, porque o que encontrei foi um imenso “rolando lero”, que não apenas não explica o que ela viu de bom no projeto como, nem sequer, trata de nenhuma questão concreta.
A palavra “previdência” só aparece uma vez no texto. Mais, porém, do que as palavras salário, trabalho, renda, trabalhador, idoso, deficientes, inválidos, viúva, órfão, pobres, necessitados – todas de se esperar, pois se trata de seu voto sobre o regime previdenciário – que sequer uma única e mísera vez aparecem no longo artigo da moça.
Não creio que seja “ideológico” aquilo que representa o sustento de dezenas de dezenas de milhões de pessoas humildes, pois é disso que tratamos ao falar em aposentadorias e pensões, duas outras palavras que sequer dão o ar de sua graça na manifestação de Tábata.
Só muito generosidade com as palavras “bem apessoadas” que ela arruma ao longo de tantas linhas dar-lhe-iam algo diferente de zero em redação, pelo simples fato de que não abordou ou desenvolveu o tema do que venha a ser, na questão previdenciária, “ir além das amarras ideológicas”.
Recordo que, na fala que a tornou “famosa” nas redes sociais, ao questionar a embromação do ex-ministro da Educação Ricardo Vélez, a senhorita o “emparedou” exigindo posições concretas: “Cadê os projetos? Cadê as metas? Quem são os responsáveis? Isso daqui não é planejamento estratégico, isso e uma lista de desejos. Eu quero saber onde que eu encontro esses projetos? Quando cada um começa a ser implementado? Quando serão entregues? Quais são os resultados esperados?”
Dá a todos, portanto, o direito de exigir que a deputada também seja objetiva ao tratar de questões públicas.
Compreendo que Tábata queira evitar expor-se como fez no artigo com que, na internet, tentou explicar o seu voto, com “pérolas” como a de dizer que “o trabalhador só precisará trabalhar 40 anos se desejar se aposentar com a integralidade de seus rendimentos, o que não ocorre nem atualmente” o que, além de cruel, é falso, pois o cálculo da aposentadoria a partir de toda a vida laboral vai reduzir expressivamente, o valor dos proventos em relação aos do final da vida ativa.
Mas, como a deputada não dá a menor bola para o programa, as tradições, a história do partido que escolheu para se candidatar (e para eleger-se, pois não atingiu, sozinha, o quociente eleitoral de 301 mil votos da eleição para deputado federal em SP) e prefere, no artigo em que se explica – e não é este da Folha – dizer que seu voto foi definido em outro coletivo, o do tal “Movimento Acredito”, cabe perguntar-lhe o que fariam com ela, por lá.
Está lá, no site da organização para qual grandes empresários, certamente imbuídos de puro e desinteressado espírito cívico que “as candidaturas do Acredito (seria um partido político, para ter candidatos oficiais?) irão se comprometer publicamente com uma carta de posicionamentos e práticas que elas pretendem conduzir, caso eleitas. Se, durante o mandato, as ações da/ocandidata/oeleita/o destoarem do que foi combinado com o Movimento Acredito, esta pessoa perderá todo o apoio e os vínculos com o Movimento”.Traduzindo: será expulso dele.
Não é o mesmo ato que condena em seu artigo, afirmando que isso visa “reforçar o poder da liderança partidária punindo dissidentes pela máxima de que os partidos não podem passar sinais de fraqueza”?
A senhorita acha que, num caso é legítimo e em outro é “amarra ideológica” ficar obrigado àquilo com que se comprometeu?
Não sou do PDT e não me cabe opinar se deve ou não haver punição. Mas como Tábata não está falando para seu partido, mas para todos, a todos dá o direito de opinar.
Desculpe, deputada. Não existe nada de mais necessário na política brasileira que caráter e respeito aos compromissos assumidos. Nem existe nada de mais essencial, quando se vota ou quando se escreve, que tratar objetivamente das questões reais.
O resto são “amarras ideológicas”, mesmo que pareçam tão bonitinhas feito laços de fita.