Publicado originalmente na BBC Brasil.
Um dos mais respeitados estudiosos do sistema de lagoas do Rio e da Baía de Guanabara, o biólogo Mario Moscatelli, disse em entrevista à BBC Brasil que ainda há tempo de limpar as águas da baía para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, mas que vê falta de vontade política para que isso ocorra.
A despoluição da Baía de Guanabara é considerada imprescindível para as provas de vela da Olimpíada e é potencialmente um dos maiores legados do megaevento.
Moscatelli reconhece que o prazo para que a despoluição se torne realidade é apertado, mas factível se os trabalhos começarem imediatamente.
“Há condições técnicas para solucionar o problema de poluição para que não chegue mais lixo e esgoto à baía e também para limpar o lixo que já está depositado nas águas. Isso pode ser feito em um ano e meio”, diz Moscatelli.
“O prazo é curto, mas, se começarmos agora, ainda é possível. O que falta é vontade política.”
Polêmica
A despoluição voltou a ser destaque na imprensa internacional em recentes reportagens que apontam problemas e atrasos nos programas empreendidos pelos organizadores.
No sábado, a agência de notícias Associated Press publicou uma carta em que o secretário de Ambiente do Estado do Rio, Carlos Francisco Portinho, pede ao ministro do Esporte, Aldo Rebelo a liberação de verbas federais e diz que no ritmo atual de investimentos as iniciativas para despoluir a baía só começarão a surtir efeito daqui a uma década.
Já no domingo, o jornal americano The New York Times publicou um texto com o título Aviso aos velejadores olímpicos: Não caiam nas Águas do Rio, em que são citados atletas como o medalhista brasileiro Laers Grael, que disse já ter encontrado quatro cadáveres nas águas.
As reportagens repercutiram em todo o mundo e engrossaram a cobertura negativa feita pela imprensa internacional sobre o Brasil, que enfrenta uma crise de imagem devido aos preparativos para a Copa do Mundo e os atrasos na organização das Olimpíadas.
A AP destacou uma frase do secretário Portinho em que ele diz que alguns dos objetivos ambientais propostos quando o Rio foi escolhido para sediar os Jogos, em 2009, não poderão ser cumpridos.
“O desejo de todos os envolvidos é que, na Bacia da Baía de Guanabara, todos os cursos d’água estivessem com seus sistemas de saneamento implantados de forma adequada… Entretanto, mesmo que fossem disponibilizados os recursos necessários para implantação do sistema de saneamento referentes às bacias mencionadas, não seria possível conceber e implantar todos os projetos previstos dentro de prazos de execução de obras que ocasionassem diferenças significativas na qualidade das águas da Baía até 2016”, diz a carta.
Em nota enviada à BBC Brasil, a Secretaria do Ambiente do Estado do Rio diz que, no trecho citado, Portinho se referia ao “sistema de esgotamento dos municípios do entorno (da Baía de Guanabara) e não às UTRs (Unidades de Tratamento de Rio)”, que servem para tratar o esgoto que chega pelos rios à baía e devem ser instaladas com os recursos pedidos à Brasília.
Segundo a nota, já há quatro UTRs instaladas, e mais sete devem ser construídas. Assim, espera-se atingir a meta de 80% de saneamento da Baía de Guanabara até 2016.
‘Fora de contexto’
Para o governo, as declarações de Portinho foram retiradas do contexto na reportagem da Associated Press. Ao citar o prazo de uma década no ritmo atual de aportes, o secretário se referia ao saneamento básico em todos os municípios da região e não ao objetivo proposto em 2009, de sanear 80% da baía por meio das UTRs, diz a pasta.
“Para deixar mais clara essa matemática, a meta olímpica assumida pelo governo do Rio é de atingir 60% de esgoto tratado no Estado até 2016 (já subimos de 18% para cerca de 40%). Assim, com a implantação das UTRs e outras ações, conseguiremos atingir a meta de sanear 80% da Baía de Guanabara para os Jogos”, diz a nota.
O governo diz que as UTRs não são a única ferramenta no programa.
“Também fazem parte da carteira de projeto as Ampliações das Estações de Tratamento de Esgoto, projetos de saneamento de praias da Baía (Sena Limpa) e os programas de reflorestamento do entorno da Baía”, diz o órgão.
No entanto, a BBC Brasil apurou que existe de fato uma grande preocupação por parte da Secretaria de Ambiente do Estado do Rio quanto ao tempo necessário para instalar as UTRs e tratar o esgoto dos rios, mas acredita-se que a coleta do lixo já depositado será feita dentro do prazo.
Grande esforço
Moscatelli diz que as UTRs são a solução acordada, em consenso geral, desde 2009, e que “só faltou colocar em prática”. Quanto à coleta do lixo, ele é mais cético.
“Estão falando em colocar dez barquinhos para recolher todo esse lixo. Nem com dez porta-aviões dariam conta. É um esforço braçal mesmo, com muita mão de obra. É algo grande”, diz.
O biólogo foi ouvido pela reportagem do The New York Times, na qual fez duras críticas ao trabalho de saneamento da Baía de Guanabara ainda dizer que ela “ainda é um latrina”.
Com base em seus estudos, Moscatelli diz à BBC Brasil não ter visto grandes avanços no saneamento da Baía desde o anúncio de que os Jogos seriam realizados no Rio em 2016.
“O Rio ficou sabendo que ia sediar as Olimpíadas em 2009, e só foram pedir os recursos federais agora? O que foi feito, então, nesses cinco anos?”, pergunta.
Mas o biólogo destaca que as recentes reportagens críticas a este trabalho podem ter um impacto positivo.
“Agora há toda essa pressão internacional. O mundo está de olho no Brasil. Não podemos perder essa chance de limpar a Baía”, diz Moscatelli.