Famílias assentadas há 17 anos pelo MST são ameaçadas de despejo em Alagoas

Atualizado em 5 de novembro de 2020 às 19:05
Famílias de Trabalhadores Sem Terra do assentamento Roseli Nunes, em Alagoas, são ameaçadas por processo judicial de reintegração de posse. Foto: Divulgação

Publicado originalmente na página do MST

POR VINÍCIUS BRAGA

Após 17 anos de luta no município de Girau do Ponciano, no agreste de Alagoas, famílias Sem Terra do assentamento Roseli Nunes foram surpreendidas com a ameaça de um processo judicial de reintegração de posse da fazenda Tingui I, ocupada em 2003 após seguir todos os trâmites oficiais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para a destinação da mesma para fins de Reforma Agrária.

O assentamento fica localizado a 159 km de Maceió e abriga 35 famílias assentadas que vivem da terra e dela tiram seu sustento, alimentando a cidade, numa região historicamente conhecida pela prática do coronelismo e da jagunçagem, e que é dominada por pecuaristas que controlam a política local.

“Nós chegamos aqui e foi uma luta muito grande para viver nesse assentamento, trabalhando e construindo a vida. Trabalhando para ter um pão digno, alimentação saudável”, afirma Elza Nascimento, que é militante do MST e assentada em Roseli Nunes.

Ela explica que após o ex-proprietário dar entrada no processo para requerer a terra de volta, criou-se uma grande preocupação pois muitos ali chegaram há 17 anos, com seus filhos ainda bebês, e hoje há novas gerações de crianças que nasceram naquele terreno destinado para a Reforma Agrária. O modo de vida no assentamento é passado de pais para filhos: aquelas crianças cresceram e constituíram famílias, construíram suas casas no lote dos pais e dão continuidade à atividade da agricultura familiar.

Despejo vai gerar desperdício de recursos públicos

De acordo com Elza Nascimento, que mora no assentamento, o antigo dono está espalhando fake news sobre as famílias de agricultores familiares que trabalham na terra. “O ex-proprietário deu entrada no processo para requerer a área de volta mas a gente não vai desistir, por que para onde nós vamos se sairmos daqui? Aqui a gente produz alimento, ao contrário do que o ex-proprietário diz na mídia, que a gente não trabalha e quer o lote para vender e destruir. A terra é para trabalharmos e dela a gente tira o sustento”, afirmou.

Na assembleia estadual do MST, realizada na terça-feira da última semana (27), houveram discussões a respeito das recentes ameaças contra o assentamento Roseli Nunes e foi reforçada a necessidade de mobilização nas áreas para denunciar publicamente o caso de todas as formas possíveis. Também foi apontada a necessidade de continuar produzindo e realizando as ações de solidariedade, com distribuição de alimentos que já duram toda a pandemia e dão uma resposta concreta à sociedade alagoana sobre as ações do Movimento.

Ao longo dos 17 anos do assentamento, as famílias assentadas já receberam todos os créditos do INCRA, desde os créditos de apoio inicial, de habitação, até os investimentos do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

Caso o processo de reintegração de posse prossiga e concretize, são imensuráveis e gravíssimos os prejuízos e danos nos âmbitos social e econômico para as famílias assentadas, entre elas, idosos, crianças, mulheres e homens, que ficarão desabrigados durante a maior crise sanitária da história moderna, causada pelo Covid-19.

Por se tratar de um assentamento que passou por várias etapas de recebimento de crédito e possui uma produção ativa há 17 anos, o despejo da área, além impactar diretamente as famílias, representará um significativo desperdício de recursos públicos, em valor aproximado a um milhão e duzentos mil reais.

Ofensiva do latifundiário em Alagoas

No estado de Alagoas, assim como em muitas outras regiões do país, diversas áreas ocupadas por movimentos populares de luta por terra vêm sofrendo ameaça de despejo. Essa é uma consequência do momento político vivido no Brasil com uma ofensiva do governo e dos latifundiários locais contra o povo.

De acordo com Margarida da Silva, da Direção Nacional do MST, o governo federal e o INCRA agem em uma forte ofensiva nos territórios da Reforma Agrária em nível nacional, com o objetivo de acabar com as trabalhadoras e os trabalhadores do campo. “O governo federal não tem compromisso com a classe trabalhadora, com a Reforma Agrária e nem com a produção de alimentos”, pontuou.

Ainda segundo Margarida, foi enviado ao governo federal o projeto de lei de número 735/2020 (Lei Assis Carvalho) aprovado pelo Congresso Nacional e pelo Senado, que foi vetado em 100% pelo presidente Jair Bolsonaro. A lei tinha como objetivo sancionar medidas emergenciais de amparo aos agricultores familiares do Brasil na produção de alimentos saudáveis para que o país não voltasse a passar fome.

Recentemente, dezenas de famílias que vivem no acampamento Mandacaru, no município de Traipu, no Agreste de Alagoas, também receberam ameaça de políticos da região que querem expulsar os trabalhadores e trabalhadoras da terra em que vivem há 18 anos.

Segundo os acampados e acampadas, as ameaças partiram do ex-vice prefeito da cidade de Girau do Ponciano, Severino Correia Cavalcante, conhecido na região como “Severino do chapéu”, além de Toinho Monteiro, filho do antigo proprietário da área.