Faturando alto com palestras e com Lula, Dallagnol é um caso raro de auto constrangimento. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 15 de junho de 2017 às 23:28
Araquém, o showman

 

Há uma velha máxima no futebol com respeito à figura mítica do perna de pau: “Esse aí pode deixar que a natureza marca”.

O procurador Deltan Dallagnol é o principal agente desmoralizador de si mesmo. Não precisa de ninguém para se ocupar disso. 

Nele se unem a megalomania, a ambição, a arrogância, a fama, a fé evangélica e a falta de noção, resultando num pacote de auto constrangimento e vergonha alheia.

Dallagnol embarcou numa ego trip que ninguém mais controla. De Silvio Santos a Elton John, passando pelo dono da Riachuelo, é comum o sujeito perder o senso do ridículo, mas depois de um certo tempo.

Deltan está passando por isso precocemente, aos 36 anos. Vive cercado de yes men que não o censuram mais. E pensar que você paga o bom salário do homem.

Alguém que cita a si mesmo sete vezes, mais Sherlock Holmes e uma teoria que ele mesmo criou (o “explanacionismo”) numa peça jurídica deveria ser chamado de lado pelo juiz e instado a tirar uns dias de folga para pôr a cabeça no lugar.

Ao invés disso, Dallagnol vai faturando. Suas palestras são vendidas por um cachê entre 30 e 40 mil reais, como se vê num site que o agencia juntamente com Ana Paula Padrão, Caio Ribeiro, Família Schürman, entre outros.

O release é inacreditável. “Quando aparece para uma entrevista, fica claro que ele preparou cada tópico da fala e não foge do roteiro”, lê-se.

“Assim, dribla a timidez. Cordial, emprega frases de efeito, que também recheiam os processos. Para ele, por exemplo, Lula é o ‘comandante máximo’ do desvio de recursos da Petrobras”.

Como assim? Então era uma frase de efeito, um truque, para deleitar a plateia? Não importa? Tudo bem para o Lula ou não vem ao caso?

A repórter Anna Virginia Balloussier fez um relato na Folha sobre uma apresentação de Dallagnol num congresso da ala paulista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

“Nós antes éramos os golpistas. Agora nós somos os golpistas dos golpistas? Eu fico confuso”, disse.

Sacou?

Dallagnol fez merchã de seu livro e adaptou a cantilena ao público. “O país está desfigurado. Precisamos de uma cirurgia reconstrutiva. Acho que vim no lugar certo para pedir ajuda”, falou.

Pegou?

Outra: “Você já teve um paciente que se olhava no espelho e se achava mais bonito do que era? O Brasil se olhava no espelho e se achava mais bonito do que era. A corrupção vende ilusões”.

Quem o introduziu foi o cirurgião Rolf Gemperli, um tipo que costumava aparecer na bancada do Jornal da Cultura, de SP, com comentários pedestres.

Num deles, defendia o fim do voto obrigatório porque eleições deviam ser só para quem tem “conhecimento da política”.

“Gosto dos médicos porque médicos gostam da Lava Jato”, declarou Deltan.

O ponto alto do show foi quando um espectador quis saber se ele tinha uma “previsão real” para a prisão de Lula.

“Vou exercer meu direito constitucional de ficar em silêncio”, respondeu Dallagnol.

Sacou?

Na semana passada, ele comemorava a marca de 100 mil seguidores no Twitter. A jornalista e blogueira Nina Lemos deu-lhe uma bronca, lembrando-o que não é “uma blogueira teen”.

Nina errou. No fundo, Dallagnol não passa muito disso. Lula e a batalha contra corrupção viraram um filão que DD, Moro e seus cometas exploram.

Enquanto durar a Lava Jato, e ela não tem hora para terminar, eles vão se dar bem. Se a grana é oriunda, eventualmente, de uma categoria extremamente afeita a sonegar impostos, como a dos médicos, não tem problema.

Business is business. O importante é dar um jeito nesse país. Eu não tenho culpa, eu votei no Aécio.