O governo negocia com Cuba um acordo para trazer 6 mil médicos ao país, que atuariam em regiões carentes de assistência médica; mas por que não utilizar nossos próprios profissionais na missão? Entenda o caso.
Desde janeiro de 2012, o governo está estudando uma proposta de “importar” médicos de outros países para trabalharem em locais do Brasil pelos quais os nossos médicos não se interessam. E, ontem, o ministro Antonio Patriota, das Relações Exteriores, afirmou que o país negocia com Cuba um acordo para trazer 6 mil médicos, que trabalhariam em regiões pobres onde a assistência média é deficiente.
A ideia seria razoavelmente interessante; o Brasil é um país grande, aliás, enorme. Em números absolutos, de acordo com parâmetros internacionais, há falta de profissionais médicos, em especial quando se observa a distribuição por estados – havendo uma concentração maior nos estados do sul e sudeste, e menor nos estados do norte e nordeste. É uma consequência de um país que ainda está em desenvolvimento. Trazer profissionais de fora poderia suprir esta demanda. Contudo, esta é a solução mais acertada?
A revista Ser Médico, do Cremesp, publicou recentemente uma extensa reportagem sobre a qualidade das faculdades de medicina na Bolívia. Lá, bastava você se inscrever para, por uma bagatela de 300 dólares ao mês (uma faculdade particular aqui no Brasil custa entre 7 e 10 vezes isso), aprender medicina, sem pré-requisitos básicos como processo seletivo ou saber falar espanhol, em cursos com professores de má qualificação, com falta de recursos e, o pior de tudo, sem contato com o paciente. Exatamente. Em alguns lugares, os estudantes sequer examinavam os pacientes, mas saíam formados com diplomas que lhes davam os mesmos direitos, lá, que nós, médicos, temos aqui.
Para trabalhar legalmente no Brasil, qualquer médico formado no exterior necessita passar pelo “Revalida”, exame para validação do seu registro no nosso país. Ele, contudo, é uma peneira ainda maior do que o exame da Cremesp ou da OAB – cifras acima de 90% de reprovação. Será o nosso teste muito exigente, ou a qualidade das escolas do exterior é muito inferior? A reportagem da Ser Médico já basta para sanar a dúvida.
A intenção do governo brasileiro é de importar médicos de Cuba – ao que tudo indica, seis mil médicos cubanos virão trabalhar no nosso país. Como, porém? Isto implica em um grande obstáculo: como será feita a revalidação? Como permitir que seis mil médicos ingressem, se apenas menos de 10% passariam na prova? Teriam de convocar 60, 120 mil?
Uma ideia – com o perdão da expressão, mas não achei nada melhor – totalmente esquizofrênica do governo é, após dois anos da prática da medicina no nosso país, automaticamente validar os seus diplomas. Simplesmente isso: seríamos quase como um “campo de treinamento”; médicos que até então não seriam qualificados, de acordo com os padrões do Revalida, viriam trabalhar, por um determinado período de tempo, após o qual magicamente se tornariam aptos. E o povo passando pelas mãos destes médicos mal formados, neste meio tempo? Compensa a falta de médicos, colocar a serviço aqueles que não têm os conhecimentos mínimos para exercer sua profissão?
Não se sabe muito a respeito da medicina de Cuba; dizem por aí que é uma das melhores do mundo. Mas eu, pessoalmente, não me lembro na história recente de nenhum líder brasileiro ou europeu (nem sequer argentino) indo se tratar nas terras de Fidel Castro.
E o que originou tudo isso? Bom, um fato simples: os médicos brasileiros não vão trabalhar no interior, pois não há recursos e o salário não compensa. Em determinadas localidades, há um médico em um raio de dezenas de quilômetros. “Importar” profissionais para estas vagas é obrigá-los a trabalhar em condições às quais os nossos próprios médicos não querem se sujeitar. Não é algo esquisito de se pensar? Não se assemelha a “importar” latino-americanos para trabalhar como domésticos em casas de estadunidenses, algo bastante comum de se ver?
A solução para isso não é nem importar, nem aumentar o número de escolas médicas (que já é abusivo); é melhorar as condições de trabalho e pagamento no interior. Isto, sim, atrairia os médicos brasileiros para cuidar do seu povo em localidades carentes.
Até porque, quem garante que o médico “importado” vai realmente ficar lá?