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Oficiais da Aeronáutica procuraram a Vara Federal Única de Angra dos Reis há duas semanas para pedir o levantamento do sigilo da investigação sobre a queda do avião que matou o ministro Teori Zavascki no mar de Paraty.
Eles mostraram para o juiz Ian Legay Vermelho um vídeo com o resultado do trabalho de perícia realizado até aqui, que já permite a conclusão de que se tratou de um acidente aéreo e não de um atentado.
O juiz pediu ao Ministério Público Federal que se manifeste sobre o fim do sigilo. Em caso de concordância dos procuradores, a investigação – que ocorre, simultânea e paralelamente, na Polícia Federal e na Aeronáutica – poderá se tornar pública.
Para os oficiais, o fim do sigilo é necessário para dar à sociedade conhecimento de informações que afastem a especulação de que o ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava Jato, foi vítima de atentado.
O propósito da investigação é demonstrar as causas da queda do avião e, por isso, os trabalhos da Aeronáutica e da Polícia Federal jamais poderão esclarecer o mistério da presença de Teori naquele voo.
Filgueiras era um empresário que foi acusado de lesar parceiros comerciais e de não reparar prejuízos causados pelas inúmeras pessoas jurídicas que abriu e fechou ao longo da vida. Também tinha um processo por crime ambiental nas costas.
“Não entendo por que a imprensa nunca perguntou o que o relator da Operação Lava Jato fazia no avião do Filgueiras. Todo mundo em Paraty conhece o histórico de Filgueiras”, diz o historiador Diuner Melo.
“Um dos maiores mistérios na cidade é entender como a Fazenda Itatinga foi parar nas mãos de Filgueiras”, acrescenta. A Itatinga é a propriedade onde Filgueiras hospedava seus convidados. Ali estiveram artistas e políticos.
No cartório de registro de imóveis de Paraty, a fazenda ainda está no nome de José Kléber Martins Cruz, advogado, poeta, ator e diretor de cinema.
Na Itatinga, foi gravada a maior parte de “Mãos Vazias”, o último filme de Leila Diniz. José Kléber, além de ceder a fazenda, contracena com a atriz, no papel de marido da personagem interpretada por ela. Leila morreu no voo que a levaria para a Austrália, onde o filme seria lançado.
Em 1989, dezoito anos mais tarde, Kléber também seria vítima de uma tragédia. Ele foi assassinado a golpes de marreta quando dormia, em uma casa do centro histórico de Paraty.
A investigação concluiu que o mandante do assassinato fora o caseiro da fazenda Itatinga, com quem Kléber estava em litígio, para recuperar a posse da propriedade.
O caseiro já não estava mais na cidade quando o crime aconteceu, mas a mulher dele e os filhos moraram lá por mais alguns anos, até que a propriedade passou para as mãos de Filgueiras. O empresário comprou a posse da Itatinga da mulher do mandante do assassinato, o que gerou indignação em Paraty. “Como a mulher do caseiro pode se beneficiar da morte do José Kléber?”, questiona Diuner Melo.
O irmão de José Kleber, Aldo, dono de um premiado restaurante na cidade, estranhou o fato de que a juíza da cidade homologou a transferência da posse.
Na mesma época, o marido da juíza começou a dirigir uma Mercedes blindada zero quilômetro, o que fez as pessoas associarem a transferência da posse ao bem adquirido.
Em São Paulo, onde Filgueiras acumulou a maior parte do seu patrimônio, a Justiça também foi generosa com ele, ao impedir mais de uma vez a penhora do hotel Emiliano, reivindicada para cobrir prejuízos causados por suas empresas.
Um desses prejuízos é a causa do rompimento de uma sociedade que ele teve com o cantor Roberto Carlos durante catorze anos. Amigos dos dois contam que eles se aproximaram por causa de Nice, ex-mulher do cantor, já falecida.Nice foi quem apresentou Filgueiras a Roberto. Os dois criaram a RC & CA Empreendimentos e Comércio Ltda., que lançou um prédio de flats na rua Oscar Freire.
Com o nome de Roberto Carlos associado ao empreendimento, em pouco tempo todos os apartamentos foram vendidos, ainda na planta. Só o empresário Aurélio Hasson, dono de uma antiga loja de tecidos na rua Augusta, comprou quatro unidades.
A construção ficou a cargo de outra empresa de Filgueiras, a Construtora Tuama, mas no ano 2000, por erro de engenharia, houve perfuração do lençol freático e o acidente afetou a estrutura de um prédio vizinho, o Condomínio Edifício Azul e Branco, e derrubou três casas vizinhas. Por sorte, não houve mortes, mas os danos materiais foram enormes.
“O erro era da construtora, mas o Filgueiras quis jogar a conta do prejuízo no condomínio, formado por ele, Roberto Carlos e todos os compradores dos flats”, conta um executivo que acompanhou o episódio de perto.
Por conta disso e temendo danos à sua imagem, Roberto Carlos se retirou da sociedade, sem receber nada por isso e ainda perdendo o dinheiro que havia investido.
Com a recusa dos compradores de flats de pagarem por um prejuízo que era da construtora Tuama, Filgueiras recomprou as unidades, a preço considerado vil. Sozinho no negócio, desistiu dos flats – que não precisa mais entregar – e transformou a construção no hotel.
Também fez outra jogada considerada de alto risco e que só é possível a quem não teme ser alcançado pela Justiça: transferiu as cotas da Tuama para o empresário do ramo farmacêutico Paulo Macruz, sobrinho daquele famoso cardiologista, pioneiro do transplante no Brasil, Radi Macruz, com quem Filgueiras tinha negócios (leia a reportagem Teori votou a favor de indenização milionária da DERSA que favoreceu seu amigo Filgueiras, dono do Emiliano.)
Como titular da Tuama, Paulo Macruz passou a ser cobrado e, sem poder recorrer à Justiça quando percebeu que havia caído numa armadilha, protestou à sua maneira.
“Ele foi para a frente do hotel Emiliano, com um megafone, e começou a entregar os podres do Filgueiras”, conta um antigo sócio do dono do Emiliano.
Em todos os perfis elogiosos de Filgueiras que foram publicados pela imprensa, que enaltecem a figura do amigo de Teori Zavascki, há uma informação que é verdadeira e explica, em parte, como ele conseguia atrair pessoas para seus negócios nebulosos. “Era uma pessoa cativante, envolvente”, diz um antigo amigo.
Num primeiro momento, se mostrava generoso. Muitas pessoas receberam dele quadros com a assinatura de pintores relativamente famosos. Uma dessas pessoas pendurou em casa um presente dele, um quadro de Mílton Dacosta.
Certa vez, quando decidiu avaliar suas obras de arte, chamou um marchand que trabalhava com Pietro Maria Bardi, do Masp, e descobriu que o presente de Filgueiras valia tanto quanto uma nota de 3 reais.
“Deve ter muita gente da elite paulistana com quadros falsos em casa, recebidos de presente do Filgueiras”, diz esse amigo, que acabou descobrindo que o dono do Emiliano tinha um fornecedor de obras falsas, chamado Ado, com grande habilidade para copiar quadros famosos.
Filgueiras agradava da direita à esquerda. No início dos anos 2000, quando precisava ter boas relações com a Prefeitura para abrir e manter o Emiliano funcionando, ofereceu um coquetel para os membros da 4ª Internacional Socialista, que realizava conferência em São Paulo e tinha como um de seus representantes Luis Favre, marido de Marta Suplicy, prefeita da cidade.
Enquanto os socialistas da 4ª Internacional festejavam com Filgueiras, os moradores do Condomínio Edifício Azul e Branco dividiam as despesas para pagar pela obra que evitou que o prédio caísse.
Dezessete anos depois, o Emiliano continua inabalável e graças à Justiça, onde Filgueiras tinha muitos amigos, está livre do acerto de contas com as pessoas que as empresas dele lesaram ao longo dos anos.
O QUE O DCM JÁ PUBLICOU DO CASO TEORI & FILGUEIRAS