Fazenda onde se ‘brinca’ de ter escravos reproduz o sonho dos batedores de panelas. Por Sacramento

Atualizado em 8 de dezembro de 2016 às 8:43
Foto: Igor Alecsander / The Intercept
Foto: Igor Alecsander / The Intercept

 

“Quero meu Brasil de volta” é uma das frases mais comuns nos cartazes e gritos de ordem da multidão que a partir de 2014 saiu às ruas de verde e amarelo pedindo a aniquilação da esquerda e intervenção militar na política nacional.

Pois essa turma viajada e bem nutrida que defende uma pauta imprecisa como o combate à corrupção e silencia a respeito da desigualdade social e do corte de direitos fundamentais pode ao menos experimentar a ideia de país dos sonhos em uma aconchegante fazenda no interior do Rio de Janeiro.

Revelada pela reportagem do The Intercept, a Fazenda Santa Eufrásia, em Vassouras, oferece aos visitantes a oportunidade de viajar no tempo. Por valores que cabem no orçamento de quem bate panela no conforto da varanda gourmet, pode-se pular da democracia moribunda dos tempos atuais para o cotidiano da elite escravocrata do século XIX.

Segundo a matéria, a atual proprietária e descendente dos antigos donos da fazenda recebe os turistas em trajes de tempos em que os acepipes do café da tarde vinham do cruel e doloroso trabalho escravo.

Pelo visto o sofrimento negro não deixou amargor nos quitutes nem peso na consciência dos anfitriões e dos visitantes que pagam entre R$ 45 e R$ 65 para serem servidos por mulheres fantasiadas de escravas.

Em um vídeo em que apresenta a fazenda, a proprietária e herdeira Elizabeth Dolson veste-se de sinhá e indica sem o mínimo sinal de consternação as ruínas da senzala. Minutos depois, no interior da casa grande, apresenta um instrumento de tortura exposto sobre a mobília.

“Viramundo. É para castigar os escravos. As mãos vinham aqui, os pés e trancavam com isso”, explica Dolson com a mesma naturalidade com que mostra os móveis centenários feitos em madeira de lei.

No final do vídeo, em uma suntuosa sala de jantar, a herdeira comenta vida de riquezas e gastos nababescos dos seus antepassados. “Viver numa fazenda a 14 horas do Rio de Janeiro, é … ‘vamos fazer festa, vamos gastar dinheiro, nós temos!’ Então, para mim, eu faria o mesmo, faria exatamente a mesma coisa”.

É aquele Brasil imortalizado nas instalações da Fazenda Santa Eufrásia que os militantes em camisas amarelo-canário-CBF querem de volta. Um país onde o trabalho árduo de muitos sustenta a opulência de poucos.

Para eles não interessam os 150 mil estudantes negros que o sistema de cotas inseriu no ensino superior entre os anos de 2013 e 2015. Muito menos a redução de 73% no índice de mortalidade infantil entre os anos de 1990 e 2015.

Na realidade, esses revoltados querem apenas a manutenção dos seus privilégios e viver como os barões e sinhás do passado. Talvez seus desejos se realizem. Com a bagunça institucional que se instala no país, é possível que os indicadores sociais voltem a índices do Brasil Império.

Só não devem se iludir. É improvável que na mesa de jacarandá da Casa Grande tenha espaço para todos eles.