Feliciano “inspecionando” exposições de arte é o alçapão no fundo do poço. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 15 de setembro de 2017 às 15:35
Intelectual

É triste constatar, mas o Brasil é uma piada a cada dia mais ridícula.

Depois de os meninos do Movimento Brasil Livre (Kim Catupiry e cia) barrarem uma exposição (?) com base no argumento de que não se tratava de arte, pois fazia alusão à pedofilia e zoofilia (???), foi a vez do pastor Marco Feliciano inspecionar uma exposição no Museu Nacional a fim de certificar-se de que nela não havia nenhuma doutrinação comunista imoral.

Risos.

“Estivemos no Museu Nacional. Fomos averiguar uma denúncia de que a exposição era semelhante a do Santander. Não fizemos nada além de observar e confirmar que a informação era falsa. Não havia apologia a crime nenhum”, disse.

Feliciano, acusado de estupro, que não entende nada de arte ou de moral – do que o Feliciano entende, pelo amor da deusa? – agora inspeciona a moralidade das exposições de arte.

Pronto, a piada era essa.

Apesar de jovem, trabalho com arte há uns bons anos. Quase uma década, para ser específica. Trabalhei com teatro, música, roteiro, cinema, literatura e sou mestranda em artes. Nem eu nem os meus professores mais renomados e competentes sabemos ao certo o que é arte e o que não é arte: não por incompetência, mas porque esta não é uma discussão simples.

Nunca, na história da arte universal, houve um consenso. Isso porque não conhecíamos o MBL e o Feliciano: agora, finalmente, eis que o maior dilema entre os artistas e teóricos de arte foi resolvido em um instante.

A direita brasileira, do alto de seu pedestal de moralidade, acha – por delírio – que pode determinar o que é e o que não é arte. Se há um subsolo no fundo do poço, estamos lá.

Mesmo com poucas certezas – nota: quanto menos certezas, mais lucidez -, trago uma comigo e não abro mão: a arte é amoral.

Toda arte carregada de moralidade deixa de ser arte, e isso é tão óbvio que dispensa argumentos.

Não sabemos o que é arte – é um conceito abstrato demais para ser aprisionado em palavras – mas sabemos o que não o é: produtos culturais comedidos, controlados e censurados deixam de ser arte porque perdem, diria Walter Beinjamim, sua aura.

A essência da obra de arte é dizer aquilo que ainda não foi dito. Aquilo que não querem que seja dito, mas que precisa ser dito. Arte que é arte sempre incomodará porque “eu não posso cantar como convém, sem querer ferir ninguém.”

Sob esta ótica, não há obra de arte possível para uma direita conservadora que não entende picas de arte (ou de moral, ou de política). Paciência.

Vivemos novamente os tempos sombrios da censura conservadora e resistiremos como sempre resistimos: com a arte que incomoda.

Os artistas resistem e os conservadores choram.