Os Arcos da Lapa ficaram lotados para o Festival Lula Livre. Cantores se revezavam com atores no palco, uns cantando, outros lendo manifestos. Foi grandioso sob qualquer ponto de vista e a liberdade de Lula foi o tema central, um grito que encontra paralelo em campanhas como a da anistia e a das diretas já.
O Festival Lula Livre ficou em primeiro lugar nos assuntos mais comentados noTwitter no Brasil e, em alguns momentos, em terceiro no mundo.
Apesar disso, o Jornal Nacional da Rede Globo dedicou apenas alguns segundos para uma nota coberta por imagens, em que o maior tempo foi dedicado a uma exdrúxula operação do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) para confiscar bandeiras e faixas do PT.
O argumento era que a lei veda campanha antecipada. No dia de convenções partidárias pela cidade, certamente os fiscais da justiça eleitoral tinham muito trabalho a fazer, mas foram se ocupar de uma manifestação artística em defesa de um líder político preso graças a um processo sem prova e sem demonstração de culpa.
Nos poucos segundos que dedicou ao evento na cidade em que tem a sua sede, a Globo também falou que era um festival com artistas famosos e lembrou da condenação de Lula em segunda instância. Ou seja, tentou reduzir o tamanho da liderança que ela persegue.
A notícia era outra, mas a Globo brigou com ela, como fez em outros tempos, desde que a força — seja dos tanques ou da justiça, o poder sem voto — se colocou como obstáculo à soberania popular.
O vídeo com a transmissão do evento, feita pela TVT, está disponível neste site. Foi uma sucessão de palavras em defesa do Brasil.
No final, Beth Carvalho, Chico Buarque e Gilberto Gil subiram ao palco. Chico e Gil cantaram Cálice, música que foi censurada em 1973, num show em São Paulo. Na época, os dois tentaram cantar mesmo assim, mas os microfones foram desligados. A própria gravadora, organizadora do show, não queria problema com a censura
Desta vez, os microfones do show ficaram ligados, mas o som de Cálice, nestes tempos estranhos, foi abafado justamente pela emissora que chegou à liderança de audiência com o poder e o dinheiro proporcionados pelos militares.
Lula, em artigo publicado na Folha de S. Paulo há alguns dias, tomou por empréstimo a expressão: Afasta de mim este cale-se, numa referência à prisão e ao veto a entrevistas e à gravação de vídeos.
Sem poder gravar, Lula enviou ontem uma carta em que agradece os artistas pela ação nos tempos mais difíceis do país.
“Eu só posso agradecer a solidariedade de vocês. Quantas vezes, quando a sociedade calou diante de barbaridades, foram os nossos músicos, escritores, cineastas, atores, dramaturgos, dançarinos, artistas plásticos, cantores e poetas que vieram lembrar que amanhã há de ser outro dia? Que ousaram acreditar em esperanças equilibristas e em flores vencendo canhões?”, escreveu.
“Onde querem silêncio, seguiremos cantando”, disse ainda.
Por fim, declarou:
“A gente ainda vai festejar, e muito. A alegria, a liberdade e a justiça de um povo que não tem medo e que não se entrega não.Muito obrigado pelo carinho de vocês. Aquele abraço!”
Atores leram um manifesto final, em que acentuaram: O festival não acabou ontem. Ele continuará em cada esquina, na voz dos brasileiros que não desistem, resistem.
Foi rodado o áudio do último discurso que Lula fez em liberdade, em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, antes de ser preso:
“Os poderosos podem matar uma duas, três flores, mas não podem impedir a chegada da primavera.”
Naquele discurso histórico, Lula disse também:
“Não adianta eles acharem que vão fazer com que eu pare, eu não pararei porque eu não sou um ser humano, sou uma ideia, uma ideia misturada com a ideia de vocês. E eu tenho certeza que companheiros como os sem-terra, o MTST, os companheiros da CUT e do movimento sindical sabem. E esta é uma prova, esta é uma prova. Eu vou cumprir o mandado e vocês vão ter de se transformar, cada um de vocês, vocês não vão se chamar chiquinho, zezinho, joãozinho, albertinho… Todos vocês, daqui pra frente, vão virar Lula e vão andar por este país fazendo o que vocês têm que fazer e é todo dia! Todo dia! Eles têm de saber que a morte de um combatente não para a revolução.
Não para.