Fernando Henrique Cardoso tem que tomar cuidado para não repetir a trajetória de Carlos Lacerda
Fernando Henrique Cardoso está diminuindo com o correr dos anos. Não na mesma velocidade de José Serra, é certo, mas com constância.
Dona Rute faz falta? É possível. Talvez ela mitigasse o rancor com que a vaidade de FHC enfrenta a vantagem que Lula vai levando no duelo pelo tamanho na história do Brasil diante da posteridade.
A despeito da mídia em seu ultraconservadorismo, forma-se um consenso segundo o qual entre FHC e Lula foi este último quem realmente inovou no combate ao que é claramente o maior mal do Brasil: a miséria, decorrente da abjeta distribuição de renda.
FHC acabou com a inflação, e isso é uma conquista gigantesca. Mas em políticas sociais suas realizações foram pequenas, até porque ele estava cercado de economistas que as desprezavam.
Eram economistas profundamente influenciados pela Universidade de Chicago, dominada pelas ideias do Nobel Milton Friedman, um economista de repercussão mundial entre os anos 1970 e 2000.
Friedman demonizava as políticas sociais como esmolas, e defendia um Estado mínimo e desregulamentado. Reagan, nos Estados Unidos, e Thatcher, na Inglaterra, foram os maiores propagandistas do ideário de Friedman.
Vista na época de FHC como uma receita infalível para fortalecer economias, a doutrina friedmaniana se revelaria, com os anos, um fracasso colossal. Ela está na origem da crise econômica mundial que castiga a humanidade desde 2007.
Um pequeno grupo se beneficiou do friedmanismo, o chamado 1%, para usar a memorável expressão do movimento Ocupe Wall St. Mas os 99% restantes, como dizia meu Tio Lau, se estreparam.
FHC é filho de seu tempo. Ele estava engaiolado, como era tão comum nos dias em que foi presidente, dentro da crença de que o friedmanismo era o melhor caminho. Na verdade, o único. Nem os trabalhistas britânicos sob Tony Blair ousaram contestar os mandamentos Friedman, e consequentemente se movimentaram para a direita como se fossem discípulos de Thatcher.Só recentemente, sob a liderança renovadora de Ed Milliband, os trabalhistas voltaram para o centro-esquerda.
Lula chegou em outro momento. No início da década de 2 000 o modelo de Friedman começava já a estertorar. A iniquidade social se revelou insustentável. A maioria pilhada começou a protestar de forma cada vez mais intensa.
FHC não pecou lá para trás, porque o cenário era muito diferente. Seu governo seguiu placas que pareciam confiáveis. FHC fez, essencialmente, o que Reagan e Thatcher fizeram antes dele. Ele retomou, a rigor, o que Collor iniciara canhestramente. FHC teria que ser um gênio ou um profeta para enxergar, em sua presidência, os abismos para os quais o friedmanismo afinal conduziria.
Mas peca hoje, ao não entender – ou ao fingir não entender – o mundo que está aí. E então ele parece querer ser maior que Lula no grito. Alinha-se ao conservadorismo nacional para tentar recriar o cínico “Mar de Lama” que tanto contribuiu para o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954.
FHC fala agora em “crise moral”, como se não tivesse feito coisas como se outorgar por meios obscuros um segundo mandato não previsto na Constituição.
A direita gosta, naturalmente. Mas isso não impede que FHC vá se aproximando de Carlos Lacerda, o mentor celerado do “Mar de Lama”, e mais tarde um personagem central no golpe militar de 1964.
Lacerda foi para a lata de lixo da história, merecidamente. Faça uma estátua para ele e ela será prontamente esculachada.
FHC ainda tem chance de não repetir a trajetória de Lacerda. Mas tem que se mexer.
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