Um percurso imaginário para o presidente do Supremo.
E então Joaquim Barbosa teve uma ideia brilhante. Faria como o primeiro-ministro da Noruega. Viveria uma tarde como taxista para ver o que as pessoas acham, verdadeiramente, dele e da Justiça.
Para se disfarçar, decidiu usar uma peruca rásta, e em cima dela um gorro colorido. Talvez algumas pessoas não quisessem pegar um táxi com um rásta, mas ninguém o reconheceria.
O teste seria no Rio. Melhor que Brasília. Mais gente, menos chance de ser reconhecido. E também melhores restaurantes para jantar depois da experiência. Combinaria com alguém um jantar. João Roberto? Merval?
Consultou a programação do futebol para ser taxista num dia de jogo no Maracanã. O camarote do Huck é um espetáculo de dosimetria e de domínio do fato. Pegou um voo na sua cota. Quem disse que não existe almoço grátis?
No aeroporto, um carregador daqueles que estão disponíveis para os magistrados do STF poupou-o de forçar as costas vulneráveis.
Um amigo influente carioca providenciou o táxi, que JB foi apanhar no subsolo de um prédio no Jardim Botânico. Um GPS da última geração resolveria eventuais dúvidas de itinerários. Ele começou a experiência por lá mesmo.
Um último olhar no espelho, e se deu parabéns pelo disfarce. Passou em frente do prédio da Globo, e um passageiro lhe acenou. Era alguém familiar. Aqueles cabelos esvoaçantes discretamente pintados, aquele ar europeu, aquela expressão de tédio. Era ele, Jabor. Parou.
Jabor estava filosófico demais para dar bom dia, e foi logo sentando no banco de trás. “Santos Dumont”, disse, seco, com aquela voz treinada. Jabor carregava um jornal. Barbosa percebeu que era o Globo. Ele ia lendo a própria coluna, e parecia enlevado.
“O senhor não é …”, Barbosa disse, para puxar conversa. “Não, não sou, meu amigo. Eu não sou ninguém. Agora licença que eu tenho que ler uma coisa muito importante.”
Melhor o STF do que a praça, pensou JB. A gente não ouve desaforo assim. Entregou Jabor no aeroporto, e imediatamente pegou um passageiro que vinha de São Paulo. Careca, agitado. Óculos escuros. Tas! Marcelo Tas.
JB abriu a porta da frente, mas, como Jabor, Tas se sentou no banco traseiro. “Globo. Vou pra Globo”, disse. Ora, pensou o falso rásta. Posso ter aqui um furo nacional. Tas na Globo. Uma nova aquisição. Tas levava uma revista nas mãos.
“O senhor não é …” “Não, não sou. Sempre me confundem. E agora me dá licença que eu tenho que ler uma coisa importante.” Pelo retrovisor, discretamente, viu que era uma Caras, e Tas lia uma reportagem sobre ele mesmo.
Deixou Tas na Globo. Estava cansado e desolado. Três horas de trânsito ruim, duas celebridades fechadas em si mesmas, e nenhum depoimento. Ia dar uma última chance.
Um passageiro lhe acenou, mas ele não parou por causa do que julgou ser aspecto suspeito. “Deve ter saído agora da Maré”, pensou. Não parou mais uma vez pela mesma razão, e enfim uma jovem com ares da garota de Ipanema esticou os braços em busca de um táxi.
Podia ser a redenção.
“Boa tarde”, disse ela, sorridente. Ela quis se sentar na frente. Avisou que ia à UFRJ e disse que era aluna de direito. Contou que adorava reggae, e que sonhava morar na Jamaica.
“Posso?” Ela queria saber se podia acender um baseado. “Um trago só pra aguentar as aulas. Não vai ficar nem cheiro, juro.”
“Hmmm … claro.”
JB imaginou que jamais um rásta legítimo diria não nesta situação. Estavam chegando à faculdade. JB tinha que assuntar a garota.
“Tá acompanhando o Mensalão? Que você acha do Supremo?” Ela fez uma careta instantaneamente. “Cada vez que ouço um deles falar tenho mais vontade de ir para a Jamaica”, disse ela. “Aquela pompa, aquele palavreado, aquelas togas. Por que eles não falam em, bem, em português?”
“Mas e o Joaquim Barbosa, ele é um heroi, não é?”, disse JB. “A Veja disse: o menino pobre que mudou o Brasil. Você votaria nele pra presidente, não é?”
Ela sorriu. “Só se ele abandonasse todas aqueles coisas e virasse um rásta como você. Eu arrastava o cara comigo para a Jamaica.”
Depois de deixá-la sem cobrar a corrida e apanhar o número de seu celular, JB pela primeira vez na vida se perguntou se, afinal, tinha feito as melhores opções de carreira.