Fingindo prosperidade, catarinense candidato em Pelotas inventa riqueza enquanto dá calote em funcionários

Atualizado em 20 de outubro de 2024 às 19:38
O catarinense bolsonarista e filho de empresário Marciano Perondi (PL), candidato a prefeito de Pelotas (RS)

O candidato bolsonarista à Prefeitura de Pelotas (RS), Marciano Perondi (PL), declarou à Justiça Eleitoral um patrimônio maior do que ele realmente tem para construir imagem de empresário bem sucedido durante a eleição. Enquanto isso, os funcionários de uma escola que ele alega ser gestor, foram obrigados a procurar a Justiça para tentar receber o que têm direito.

Declarar patrimônio diferente do real em uma eleição pode configurar crime de falsidade ideológica eleitoral. Pode levar à cassação do registro de ou de mandatos políticos, além de pena de até cinco anos de prisão.

Perondi é advogado por formação, deve saber disso. Catarinense criado no Rio Grande do Sul, ele está disputando sua primeira eleição. Nela, tem apresentado-se ao eleitor pelotense como um filho de agricultores pobres (que depois teriam se tornado faxineira e pedreiro) que tornou-se empreendedor de sucesso por mérito próprio: o verdadeiro meritocrata, um homem com tamanha capacidade de trabalho que teria acumulado fortuna porque é própspero. Alguém que estaria, agora, disposto a doar sua experiência para desenvolver Pelotas, como ele fantasia aqui.

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Para fortalecer seu discurso, Perondi, aos 41 anos, declarou ao Tribunal Regional Eleitoral gaúcho ser dono de um patrimônio individual de R$ 1,745 milhão. Afirmou ser sócio de três empresas. Em duas, porém, ele não tem qualquer participação societária, de acordo com informações disponibilizadas pela Receita Federal.

Declaração de bens de Marciano Perondi (PL-RS) à Justiça Eleitoral (crédito: TSE)

O bolsonarista ainda declarou ter quotas no Estacionamento Rotativo Dr. Montaury. A participação, segundo ele, valeria R$ 72 mil.

O estacionamento citado por Perondi fica em Caxias do Sul. Pertence, na verdade, ao pai de Marciano, Neivor Vital Perondi, e tem capital social de R$ 80 mil. Essas informações são públicas e constam do sistema de dados da Receita Federal.

O pai de Marciano Perondi, apresentado pelo candidato como “humilde agricultor”, é o verdadeiro dono de empresa que o bolsonarista diz ser sua (crédito: Receita Federal)

Perondi também declarou à Justiça Eleitoral ser sócio da PR1 Construtora e Incorporadora Ltda. Sua participação na empresa valeria R$ 8 mil.

A PR1 está sediada em um apartamento de um edifício residencial de Caxias do Sul. Segundo a Receita Federal, é, na verdade, de Rafaela Schmitz Bisol, esposa de Marciano.

Rafaela é arquiteta. Fundou a empresa em 2007, ainda com um outro nome. Perondi, porém, diz em sua propaganda ele e sua esposa fundaram a construtora juntos, em 2011, o que é simplesmente mentira.

O agora candidato chegou, sim, a registrar na Junta Comercial do Rio Grande do Sul uma alteração do contrato social da PR1, mas só em 2019, para que constasse como sócio da construtora. Hoje, no entanto, ele não o é, de acordo com a Receita Federal.

Perondi, contudo, fala como se fosse. O advogado por formação fala pela PR1 em tratativas que manteve com autoridades para assumir e concluir as obras de um prédio que estão paradas desde 2001. Ele, aliás, mudou para Pelotas somente em 2023, pensando em viabilizar essa obra, conhecida na cidade como o “Esqueletão de Pelotas”. Como até agora não conseguiu, resolveu se candidatar a prefeito para, entre outras coisas, atuar diretamente sobre o assunto.

“Dono” de colégio bolsonarista

Perondi também tem se apresentado na propaganda eleitoral como proprietário do Colégio Praça XV, já em Pelotas. Em sua própria declaração de patrimônio entregue à Justiça Eleitoral, porém, ele já se desmente: não é dono da instituição de ensino.

O Colégio Praça XV tem um único dono, Neivor Perondi, pai de Marciano. O candidato fundou a escola em 2020 com mais uma sócia. Em 2023, ambos transferiram 100% de sua participação na empresa para Neivor, sócio-administrador do Praça XV.

Mais uma empresa que Marciano Perondi afirma ser sua mas que, na verdade, pertence a seu pai, pessoa que o candidato diz ao eleitor ser “um humilde agricultor” (crédito: Receita Federal)

Marciano, na verdade, atua como advogado do colégio. Ele representou a escola em um acordo fechado com o Ministério Público do Trabalho (MPT) após denúncias de que a instituição estaria pressionando seus funcionários a votar no próprio Perondi nesta eleição.

Acordos como o firmado por Perondi visam justamente evitar que ilegalidades continuem sendo cometidas e também que a empresa acabe sendo processada pelo MPT.

O acordo foi fechado depois de Perondi levar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para uma visita ao Praça XV durante o período de campanha. O caso gerou denúncia do PT contra a chapa de bolsonarista e até uma nota de repúdio de pais sobre o ocorrido. Leia trecho abaixo:

“Nós, pais e responsáveis, ali matriculamos nossos filhos com o objetivo de que recebam uma boa instrução, não dando margem, de forma alguma ao direito de expô-los a tal situação. Não é uma escola de política.

Expor nossos filhos à presença (e possível influência) de tal personagem, protagonista de ideias, pensamentos e atos que muitas vezes abominamos, é um desrespeito absoluto a todos aqueles que, como um voto de confiança, concederam aos responsáveis pela instituição o direito e privilégio de participar da formação de nossas crianças”.

O Colégio Praça XV foi obrigado a publicar em suas redes sociais um mensagem dizendo que preza pela “liberdade de consciência e convicção política de todas as pessoas trabalhadoras”. “Nenhuma empregadora ou tomadora de serviços tem o direito de ameaçar, constranger ou orientar pessoas (…) a manifestar apoio, votar ou não votar em candidato ou candidada ou partido político nas eleições”, diz o texto.

O Praça XV não escapou de processos movidos individualmente por ex-funcionários, desta vez, por descumprimentos da legislação trabalhista.

Em uma das ações, movida em junho, uma monitora da escola contratada em fevereiro alegou que só foi registrada em março. Diz que começou a trabalhar recebendo R$ 1.600 por mês. Seu salário, porém, acabou reduzido para R$ 1.500 e, depois, R$ 1.240.

Anexou ao processo áudios que demonstram como ela cobrou a administração da escola por correções sobre sua contratação.

O Colégio Praça XV firmou um acordo com a ex-funcionária aceitando corrigir a data da sua contratação e a lhe pagar R$ 4.000.

Já em agosto, outra ex-funcionária do Praça XV abriu nova ação contra a escola, enumerando ilegalidades semelhantes cometidas pela escola contra ela. Um ex-professora, neste caso, alega ainda ter sido demitida durante o período de licença-maternidade.

O Praça XV contestou, mas pediu uma audiência de conciliação. Desta vez, a ex-empregada da escola não aceitou e pediu à Justiça que testemunhas sejam ouvidas.

O pedido foi feito no último dia 11, após o primeiro turno das eleições e quatro dias antes do Dia do Professor. Na data comemorativa, Perondi usou suas redes sociais para dizer que defende que professores precisam receber bem e ter segurança no trabalho. Então, tá.