O jurista Pedro Serrano, professor da PUC-SP, doutor em Direito do Estado e advogado constitucionalista, comentou o afastamento do juiz Eduardo Appio da Lava Jato por decisão do TRF-4.
Para ele, em entrevista ao DCM Ao Meio-Dia, a decisão do tribunal de segunda instância segue em linha com a setença do desembargador Rômulo Pizzolatti do mesmo tribunal em setembro 2016. Serrano afirma que procuradores e juízes próximos da Lava Jato queriam instaurar um “estado de exceção” no Poder Judiciário.
Dizia a decisão de Pizzolatti há seis anos:
“A ‘exceção’ é o caso que não cabe no âmbito da ‘normalidade’ abrangida pela norma geral. A norma geral deixaria de ser geral se a contemplasse. Da ‘exceção’ não se encontra alusão no discurso da ordem jurídica vigente. Define-se como tal justamente por não ter sido descrita nos textos escritos que compõem essa ordem. É como se nesses textos de direito positivo não existissem palavras que tornassem viável sua descrição. Por isso dizemos que a ‘exceção’ está no direito, ainque que não se encontre nos textos normativos do direito positivo”.
E prossegue no mesmo documento:
“Ora, é sabido que os processos e investigações criminais decorrentes da chamada ‘Operação Lava-Jato’, sob a direção do magistrado representado, constituem caso inédito (único, excepcional) no direito brasileiro. Em tais condições, neles haverá situações inéditas, que escaparão ao regramento genérico, destinado aos casos comuns”.
Confira os principais trechos da entrevista com Serrano.
Esse tribunal precisa ser investigado
É um imenso abuso o que o TRF-4 fez com o juiz Appio. É incrível o TRF-4 ter feito isso. É um ato de exceção. Uma medida de exceção. Não se pode retirar um juiz do lugar em que ele está exercendo a sua jurisdição segundo a Constituição.
Esse ato retirou o juiz Appio sem direito de defesa, liminarmente. Por uma acusação absolutamente sem sentido.
O Moro torturou gente. Prendeu gente para obter confissões, delações. O Supremo Tribunal Federal considerou que ele submeteu as pessoas a um Estado de coisas que é inconstitucional. E não foi afastado do cargo. Ao contrário. Foi aplaudido pelo TRF-4.
Duvido que o juiz Appio fez o que ele é acusado. Mas, se fez, o que é isso? Uma brincadeira de trote de telefone? Vão remover um sujeito do seu cargo de juiz por um trote?
Essa é uma medida de exceção. Esse tribunal não é a primeira vez que faz isso. Esse TRF-4 precisa ser investigado como coautor do maior escândalo da história do Judiciário brasileiro, que a Lava Jato. Querem acobertar o delito. Isso é um outro escândalo.
É necessário que o STF seja rigoroso na apuração de atos de desembargadores nesse TRF-4. Esse é o momento que precisamos agir com rigor. O governo também precisa reagir. O ministro Dino também.
É preciso tomar medidas duras e cirúrgicas. Esse não é um ataque ao juiz Appio, mas ao Direito de todos os juízes. Atacam os cidadãos a ter o direito a uma jurisdição independente.
Uma jurisdição democrática. Não criminosa.
Acobertamento
Não vejo o TRF-4 inteiro nessa história do juiz Appio, que agora quer acobertar os atos da Lava Jato. O problema é que existem suspeitas de crimes graves nesse sistema. Inclusive de extorsão.
Segundo o Tacla Duran, há extorsão e corrupção no interior da Lava Jato. Não há acusados ainda porque isso precisa ser investigado. Mas é muito estranho que desembargadores não quererem saber o que é isso. É muito estranho.
Houve lesão ao patrimônio público brasileiro. O que estava fazendo o juiz Appio? Divulgando essas lesões, parte do dinheiro que deveria ir para a Petrobras era encaminhado para Estados Unidos ou Suíça.
Principalmente aos Estados Unidos da América. Eles estão precisando do nosso dinheiro, né? Um ataque ao patrimônio público e não só isso. Uma traição ao país. Um ataque aos interesses nacionais. Crimes graves foram cometidos ali e estavam começando a ser apurados.
A ação contra Appio foi feita para acobertar o que estava sendo feito ali.
Isso é pior do que tacar fogo nos prédios em Brasília
Nós temos uma “juristocracia” desde uma decisão do desembargador Rômulo Pizzolatti, de 2016, que estabelece “exceção” como norma. A decisão contra Appio é só mais uma manifestação dessa juristocracia que existe no Judiciário do sul do país.
Eles desobedecem ordens de tribunais superiores. Lava Jato quer ser incontrolável. Querem ter um Judiciário de um estado independente lá. Isso não pode ser assim. É um caso grave que justifica medidas graves, que eu não quero adiantar para não ser leviano.
Deve-se agir por enquanto dentro da institucionalidade. Precisamos investigar o que está acontecendo lá. Tem que investigar desde a decisão de 2016. Citam [o filósofo italiano] Giorgio Agamben de forma incorreta.
Que história é essa de um tribunal declarar “exceção”? Instalar uma ditadura? Que história é essa? Ditadura comandada por um juiz?
E é exatamente isso. Eu não estou sendo exagerado. Não estou adjetivando. É o que fizeram. Decretaram uma “ditadura do Moro”. Escreveram isso. E todos os desembargadores do TRF-4 assinaram. Salvo o [Rogério] Favreto. É muito grave.
Desde aquela época, atos muito graves vêm sendo realizados. Agora eles afastam o juiz que nada mais fez do que pedir para apurar acusações de crimes graves.
Isso é pior do que tacar fogo nos prédios em Brasília. O prédio você reconstrói. Você reage imediatamente. As pessoas são presas. Isso é pior. Porque você destrói a democracia de um jeito que ela não se reconstrói depois.
Não se reconstrói as instituições. Isso é muito grave.
É uma forma clara de autoritarismo líquido, adoção de medidas de exceção pelo sistema jurídico.
Forma parecida foi feita na Hungria, na Turquia, a democracia foi se erodindo por esse tipo de conduta. Agora é preciso um tipo de Xandão. Mais do que nunca. Mais do que no dia 8 de janeiro de 2023. Temos que entender o que está acontecendo no país.
É uma sequência de atos destruidores da democracia onde quer se instaurar uma ditadura do Judiciário no sul do país. Isso não pode se permitir.
Quando desobedecem ordens do Supremo, eles estão rompendo com a Federação. É uma ditadura no sul à parte do país. Nós não podemos deixar que isso aconteça.
Contra a unidade. Contra a Federação. Contra a Constituição. Contra tudo o que é importante no Estado brasileiro.
Eles querem se declarar soberanos.
Quem instaura um Estado de exceção, conceitos pouco estudados no Direito constitucional no Brasil, é sempre instaurado pela figura de um soberano. Quem faz isso se julga soberano.
Eles fizeram isso por escrito. Numa decisão judicial. Zanin fez uma representação no TRF-4 contra as condutas de Moro, ilegais e abusivas, a resposta do pleno, dos desembargadores mais velhos, que representam o tribunal, mais empoderados, é decretando exceção.
Dizendo que o Moro não estava obrigado a obedecer a lei. O Direito penal e o código de processo penal. Isso só é declarado pelo soberano.
É uma conduta ditatorial. O soberano afasta os direitos e se declara independente do Brasil. Romperam com a Constituição.
Veja a entrevista na íntegra.