Publicado originalmente em RFI
Daniella Franco
A funcionária pública brasileira Maria D’Austria Vieira não esconde sua indignação com a agressão e a prisão do filho, na última quarta-feira (15), durante uma manifestação em Paris contra a reforma da Previdência. Um vídeo feito por uma mídia francesa independente mostra exato momento em que o jovem é imobilizado e espancado por policiais.
O socorrista franco-brasileiro Rodolphe Volte-Vieira, de 25 anos, foi à manifestação de quarta-feira acompanhado de um amigo. O jovem contou à família que caminhava junto ao cortejo quando foi surpreendido pela chegada da polícia, que o agarrou e o espancou, sem que tivesse chance de reação.
No vídeo registrado pela plataforma La Luciole Media, o jovem aparece sendo imobilizado por dois policiais. Um deles coloca o braço em torno do pescoço do socorrista. O outro segura Rodolphe pelo braço e dá dois golpes de cassetete na cabeça do jovem. Ao redor, pessoas que presenciam a cena reagem e protestam contra a brutalidade, mas o franco-brasileiro é cercado por policiais antes de a gravação ser finalizada.
A cena foi presenciada por Loïc, amigo que acompanhava Rodolphe na manifestação. Cerca de duas horas depois da prisão, a polícia contatou o irmão do franco-brasileiro, que avisou o resto da família sobre o paradeiro do jovem.
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À RFI, Maria D’Austria, de 61 anos, descreveu seu desespero com a situação. Durante dois dias, o filho ficou incomunicável, em uma delegacia do 5° distrito de Paris, sul da capital. Familiares e amigos passaram horas em frente ao local aguardando notícias, sem sucesso. Apenas uma advogada tinha o direito de conversar com o jovem.
Rodolphe foi solto na tarde de sábado (18) e levado pela família a um hospital, onde realizou uma série de exames médicos. Segundo Maria D’Austria, o filho está melhor, mas tem muitos ferimentos e deve passar por uma nova bateria de análises médicas durante a semana.
“Às vezes fala da prisão, mas a gente não fica cutucando muito, deixa ele falar e vai fluindo. Mas ele está bem machucado, bateram bastante nele”, lamenta.
Condições insalubres na prisão
Segundo a brasileira, o filho dividiu uma cela com outros manifestantes detidos; Rodolphe era o mais ferido deles. O jovem solicitou atendimento médico e foi examinado algumas vezes no local, sem jamais ser levado a um hospital. Aos pais, o socorrista contou que as condições da prisão eram insalubres, não havia colchões para todos e os detidos eram obrigados a dividir cobertores sujos.
Na sexta-feira (17), Rodolphe foi transferido para um outro centro carcerário em Paris. No total, o jovem passou 72 horas preso e ferido.
“Ele está com a cabeça cortada por causa dos golpes de cassetete. Também foi atingido na testa, no nariz, na nuca, o pescoço está inchado, as costas têm hematomas. Ele também tem arranhão profundo na parte externa da coxa”, enumera Maria d’Austria.
“O que mais me preocupa é que eles bateram com o cassetete na orelha direita e a cabeça dele está inchada, com roxos. Os dedos da mão esquerda quase foram quebrados. Ele contou que os policiais também tentaram dar pontapés em seu rosto”, reitera.
Segundo a funcionária brasileira, a polícia alegou delito de ultraje e rebelião para prender o filho. Segundo ela, acusação é falsa: “Ele não se rebelou, ele estava apenas acompanhando a manifestação, andando com o amigo”. “A polícia fez um movimento de deslocamento de ataque, e eles [os policiais] partiram para cima de Rodolphe”, salienta.
A família aguarda o posicionamento do jovem para saber como dará sequência ao caso. Maria D’Austria gostaria que o filho iniciasse um processo de reparação para exigir respostas à violência empregada pelos policiais.
“Ele não tem culpa de nada, senão não o teriam liberado tranquilamente”, reitera. O jovem deixou a prisão sem ser indiciado, recebendo apenas uma advertência de obediência a autoridades.
Revolta contra a reforma da Previdência
O protesto no qual Rodolphe foi preso e agredido faz parte da forte mobilização popular contra a controversa reforma da Previdência do governo de Emmanuel Macron. Na última quinta-feira (16), o projeto de lei foi adotado sem votação da Assembleia de deputados, por decreto, revoltando ainda mais o país. O governo enfrentará duas moções de censura nesta segunda-feira (20); se aprovadas, elas têm o poder de resultar na queda do executivo.
Maria d’Austria apoia a mobilização e diz não compreender a violência empreendida contra os participantes dos atos. “Todo mundo pode manifestar. É um direito que nós temos de dizer que não queremos algo. Qual é o intuito dessa violência?”, questiona.
A brasileira, radicada na França há 33 anos, conta que sempre participou de protestos com a família. “A primeira manifestação à qual levamos o Rodolphe, ele tinha uns dez meses”.
Segundo ela, nesta época, não havia violência policial nos atos e era seguro levar crianças aos protestos. “Eu, como mãe, exijo que o governo não bata nos nossos filhos. Nos filhos de ninguém, e nem nos meus”, diz.
Como quase 80% dos franceses, a funcionária pública expressa seu descontentamento com a reforma da Previdência e a forma como o governo quer impô-la, através do controverso artigo 49.3 da Constituição. Entre as várias mudanças e fim de provilégios de várias categorias, o texto prevê aumentar a idade da aposentadoria dos 62 aos 64 anos. O projeto de lei também é criticado pela oposição por ser particularmente prejudicial às trabalhadoras mulheres.
“É preciso parar de explorar o povo, tem que ter um limite. É por isso que todos estão revoltados”, conclui.