João Gilberto Pereira Lima tem 27 anos e é estudante. Ele foi vítima de uma mensagem racista que circulou WhatsApp com sua foto sem autorização e a seguinte frase: “Achei esse escravo no fumódromo. Quem for o dono avisa!”. O acusado é o também estudante Gustavo Metropolo, que postou em setembro de 2017 envolvendo seu colega na FGV.
O processo com as acusações de injúria racial e racismo corre há cerca de dois anos. O Diário do Centro do Mundo publicou em 23 de dezembro uma reportagem sobre lentidão da Justiça neste caso.
De acordo com o próprio processo, Gustavo teria confessado a postagem no WhatsApp para professores, mas voltou atrás, e alegou que seu smartphone teria sido clonado.
A promotora Cristina Helena OIiveira Figueiredo rebateu o argumento da defesa de Gustavo Metropolo em um parecer de 13 de dezembro de 2018. “Os fatos datam de setembro de 2017. O roubo do celular somente ocorreu em 22 de novembro de 2017. Assim, eventual invasão do dispositivo ou clonagem não guardam qualquer relação com os fatos perpetrados pelo réu em setembro”, resumiu.
A Justiça de São Paulo adiou uma audiência que estava marcada para o dia 16 de dezembro, quando seriam ouvidos o réu e a vítima. Foi remarcada para o dia 27 de abril de 2020.
João Gilberto concedeu uma entrevista ao DCM sobre suas impressões do processo e a gravidade do crime atribuído ao colega do curso de Administração da FGV.
Diário do Centro do Mundo: Você acha que o processo envolvendo o comentário de teor racista de Gustavo demorou para se desenrolar?
João Gilberto: Em um primeiro momento, o processo se desenrolou até que de uma forma rápida. Ele começou a ter uma maior lentidão depois que a Justiça de São Paulo recebeu a denúncia do Ministério Público. É um pouco desgastante um processo que se desenrola por bastante tempo, mas não se trata de algo particular ao meu caso.
São muitos os processos em andamento. Meu caso teve um inquérito policial com muitas testemunhas, foi demandada diversas audiências e não é algo que se desenrola rapidamente. Paciência.
DCM: Você estava com duas jovens na fotografia. São suas amigas? Em que contexto aquela foto foi tirada?
JG: Sim, são duas pessoas de quem eu fui muito próximo na época. A foto é tirada no fumódromo da faculdade, que é um espaço de socialização dos alunos.
Não sei quando ou em que momento a foto foi tirada, mas provavelmente foi antes da aula, no intervalo ou depois de uma delas.
DCM: O que você achou de Gustavo alegar que o celular dele foi roubado e clonado?
JG: Não me surpreende. Ele vai tentar se defender de todas as formas possíveis. Até está no direito dele. A história que ele conta não vai de encontro ao que a investigação apurou.
Fica até feio. Ele tem coragem de fazer o que fez, mas não tem coragem para assumir a responsabilidades dos seus atos. Isso é típico do perfil. As provas são sólidas e bem contundentes.
DCM: A Justiça é falha no caso de crimes de racismo, na sua opinião?
JG: Geralmente o que acontece quando pessoas brancas e ricas são colocadas na posição de réu frente à justiça? Acredito que a maioria dos leitores pensou na mesma coisa… essa percepção se dá por alguns casos de impunidade que ocorreram no passado. Racismo não é um crime novo, mas antigo e recorrente. Tem sido mais vinculado na mídia atualmente, o que faz algumas pessoas terem a errônea percepção de que esses tipos de caso têm aumentado.
De fato, houve um aumento no número de denúncias de injúria e racismo nos últimos anos. No entanto, anteriormente, às pessoas não levavam essas questões para frente por achar que não dariam em nada. As discussões sobre racismo e Direito, a presença da mídia dando visibilidade a esses casos acaba por promover uma mudança na opinião pública e, consequentemente, maior atenção da Justiça, que passa a ter uma maior confiança para denunciar.
Logo, faz-se necessário respeitar e confiar no processo legal. Está tudo muito bem fundamentado e tenho convicção de que a Justiça será feita.
A esperança do Gustavo é a impunidade.
Minha esperança é na mudança e real Justiça.
DCM: Você acha que a FGV se comportou de maneira adequada no seu caso? E os professores? E seus colegas?
JG: Eu posso afirmar que, na figura da Coordenação do meu curso, Administração Pública, sim. Juntamente com a Coordenação de Administração de Empresas, curso do réu, que tentaram encaminhar a questão da melhor forma possível.
No que se refere à instituição, confesso que tenho discordâncias em relação a alguns posicionamentos (ou não-posicionamento) e decisões jurídicas.
A FGV tem como estratégia não se manifestar ou não se posicionar em determinadas questões com receio do impacto a sua imagem. Não sei se é a estratégia mais eficiente. Não se posicionar também pode custar caro. Mas retomarei minhas questões com a GV, seja aqui em São Paulo ou no Rio, após o processo criminal.
E sim, recebi muito apoio dos meus amigos e colegas de faculdade, além do apoio institucional do Coletivo Negro 20 de Novembro e do Diretório Acadêmico Getulio Vargas.
DCM: Tem algo que você gostaria de falar? Qual sua sensação depois de tudo o que aconteceu?
JG: O crime do Gustavo faz referência, não por acaso, a um período cruel da história brasileira em que negros e negras eram vistos de forma desumanizada e tidos como mercadoria, portanto, uma ofensa lesa humanidade que fere toda a coletividade dos negros.
Jamais isso pode ser tratado como ‘brincadeira’, mas deve ser tratado tal como é, como crime.
Também gostaria de retomar a importância das pessoas denunciarem casos de racismo e de injúria racial, não deixarem passar. Não mudamos as pessoas, mas a partir do momento em que isso se torna público ou elas externam seu racismo, precisam responder conforme previsto na lei.
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Nota da redação: O DCM procurou contato com Gustavo Metropolo para ouvir sua versão da história, mas ele não respondeu até a publicação deste texto.