Freud, Le Bon e a psicologia das multidões – e das revoluções. Por José Carlos Ruy

“Um dos autores que inspirou Freud foi um escritor de grande sucesso em sua época: o francês Gustave Le Bon (1841-1931) que foi prolífico mas caiu no esquecimento devido às suas ideias extravagantes, que foram superadas como não científicas. Ele, que foi ideólogo do “racismo científico”, analisou a sociedade do ponto de vista médico e indicou o que considerou como patologias (doenças) sociais.”

Atualizado em 30 de dezembro de 2022 às 22:50
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Foto: Reprodução/PR

Publicado originalmente no Vermelho

Seu livro “Psicologia das Multidões” (1895) influenciou as ideias de Freud sobre a sociedade e a história. Foi a partir de sua leitura que o criador da psicanálise se perguntou sobre a formação do poder dos líderes de massa. E concluiu que é  identificado, por cada pessoa, com o pai, de onde advém a disponibilidade para ações irracionais e violentas – se o líder assimilado ao “pai” for violento e pregar o ódio, um indivíduo pode ser levado a ações violentas que rejeitaria como pessoa educada. (Kehl: 2009).

Le Bon também expôs ideias desse tipo no livro “A revolução francesa e a psicologia das revoluções” (1922), onde propôs que as multidões são movidas por “leis psicológicas que funcionam com a cega regularidade de uma engrenagem”, e que os atores sociais agem como personagens de cenas previamente escritas mas cujo teor desconhecem. E os revolucionários seriam movidos por “forças invisíveis” de cuja existência sequer suspeitam (Le Bon: 1922).

Para ele não há base racional em escolhas políticas, como nas religiosas – seriam “atos de fé” inconscientes. Escreveu: uma “crença política e religiosa constitui um ato de fé elaborado no inconsciente e no qual, a despeito de todas as aparências, a razão não intervém” (Le Bon: 1922).

Le Bon também considerou separadamente indivíduo e multidão, supondo que a ação de uma pessoa difere da ação das massas – “as multidões, com o concurso das quais se efetuam os grandes movimentos históricos, tem caracteres inteiramente alheios aos dos indivíduos que as compõem” (Le Bon: 1922). Isto é, supõe que não há racionalidade na ação das multidões, que refletiriam móveis irracionais e inconscientes.

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Nessa lina, Le Bon inspirou a direita e pensou que a revolução seria a liberação de “instintos bárbaros”: a “grande força dos princípios revolucionários foi dar livre curso aos instintos de barbárie primitiva refreados pelas inibitórias ações seculares do meio, da tradição e das leis” (Le Bon: 1922).

Le Bon rejeitou a igualdade entre os homens e o progresso social. Os socialistas, escreveu, erram com “seus planos quiméricos”. A “ânsia de igualdade não somente perante a lei, como nas situações e nas fortunas” é o eixo da democracia e seu auge é o socialismo, cuja demanda se manifesta “por toda a parte, embora em contradição com todas as leis biológicas e econômicas”. E completa: a “natureza não conhece a igualdade” e as “leis naturais não concordam com as aspirações democráticas” (Le Bon: 1922). A conclusão é inevitável: a desigualdade é natural sendo um fato contra o qual não se pode lutar!

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Racista – ele foi um dos teóricos do “racismo científico” – ele falou no “papel da raça na gênese das perturbações” (nome que dá aos movimentos democráticos e revolucionários) , e diz que um “povo de mestiços é sempre ingovernável” (Le Bon: 1922).

Freud reconheceu a fragilidade dessas ideias; teve a atitude prudente que muitos de seus seguidores não tiveram. E tentou compreender suas próprias ideias dentro da complexidade dos fenômenos humanos e sociais (históricos) que estudou. Ele aplicou à análise da história as categorias que usou para compreender a mente. Mas não se prendeu, antes o relativizou, ao imobilismo do pensamento que vê a história e a sociedade sob a influência de leis “naturais” que impediriam a ação humana para promover qualquer mudança.

Referências:

Kehl. Maria Rita. Folha de S. Paulo, 4 de Março de 2009 (sobre Gustave Le Bon).

Le Bon, Gustave. A revolução francesa e a psicologia das revoluções. Rio de Janeiro, Garnier, 1922

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