Por Nara Lacerda
Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) indica que a desnutrição entre crianças Yanomami não é um problema recente. A questão tem bases históricas e já era crítica nos primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro (PL).
Entre 2018 e 2019, o estudo avaliou 350 crianças com menos de 5 anos. Foram medidos peso e tamanho, feitos exames para medir níveis de anticorpos e as famílias foram entrevistadas. A intenção da equipe da Fiocruz era ter informações também sobre a situação do domicílio, o acesso a água potável, banheiro, coleta e tratamento de lixo.
Em 80% das crianças foi identificado déficit de estatura para a idade. Metade delas estava abaixo do peso por desnutrição aguda e 70% tinham anemia. O levantamento se concentrou em duas regiões da terra Yanomami: Awaris, no extremo norte de Roraima, e Maturacá, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.
A professora-pesquisadora da Escola Politécnica da Fiocruz, Ana Claudia Santiago, que participou da pesquisa, explica que até os seis meses de idade, as crianças apresentaram desenvolvimento apropriado. O problema começa quando a dieta passa a não ser formada apenas pelo aleitamento materno.
“A criança mama no peito da mãe o tempo todo e isso também a distancia do contato com o chão e com a terra. Ela está protegida no colo da mãe. Nesse contexto ela cresce normalmente. Quando ela vai para o chão, começa a ter contato com outros alimentos, beber água e a ter quadros de diarreia sistemáticos.”
Os quadros recorrentes criam cenários de desnutrição e perda de peso, agravados pela água contaminada e pela falta de saneamento, fatores determinantes para o cenário atual.
Ana Claudia Santiago cita um estudo deste ano que avalia a qualidade da água na região, realizado por pares da Fiocruz. Segundo ela, os resultados preliminares já apontam grande concentração de coliformes fecais nos igarapés e rios.
A falta de alimentos de qualidade completa a equação perversa.
“Também tem a fome. Combinado a isso, temos mudanças nos hábitos alimentares. Era uma população que comia peixe, mandioca, outros alimentos cultivados na roça. Hoje, por conta da proximidade com a população, existem outros alimentos circulando ali. Biscoitos, refrigerantes. Então, você vê uma criança que não tem acesso à comida saudável matando a fome com um biscoito que não tem nenhum valor nutricional. Isso tem a ver com a proximidade com o garimpeiro, que mudou a dieta desse povo.”
A pesquisadora ressalta que a presença do garimpo ilegal na região não é nova e leva mazelas ao povo Yanomami desde a década de 1970. No últimos quatro anos, no entanto, a atividade se intensificou de uma forma inédita.
“Essa proliferação da atividade provocou problemas que, até então, também eram inéditos. O território destruído por conta do garimpo aumentou muitíssimo. Não temos dúvida de que que os últimos quatro anos foram decisivos, foram muito importantes para que a situação ficasse do jeito que ficou.”
Como desdobramento da pesquisa, as equipes da Fiocruz trabalham agora para criar sistemas de abastecimento de água potável na região, com a comunidade envolvida no processo.
Texto publicado originalmente no Brasil de Fato