Gilmar Mendes passará para a história como o retrato do atraso do sistema jurídico brasileiro em nossos tempos.
Dois episódios recentes são patéticos.
Primeiro, o Ministério Público arquivou a denúncia de que Lula teria pressionado Gilmar para que fosse protelado o julgamento do Mensalão.
Gilmar, informa o MP, simplesmente ignorou dois pedidos para que prestasse esclarecimentos sobre a alardeada pressão – noticiada pela Veja e amplamente repercutida em jornais e revistas. Os colunistas neolacerdistas consumiram, em torno do assunto, um papel precioso para o Planeta Terra.
E eis que Gilmar silencia. Como restou ao MP verificar o caso à luz somente das palavras publicadas pela Veja, o caso foi arquivado. Gilmar falou quando não deveria, e na hora em que foi chamado oficialmente a falar se calou.
Mas voltou a falar – de outro assunto. Segundo o jornalista Fred Vasconcellos, da Folha, Gilmar presidiu um júri simulado na Escola Paulista de Medicina em que o tema era a saúde e a justiça. O evento foi aberto por diretores do Plano de Saúde Unimed, que em agosto proporcionou uma boca-livre para 100 juízes no Guarujá.
Bocas livres dessa natureza são uma praga no Brasil: elas corrompem sem que possam ser caracterizadas, legalmente, como corruptoras. Estão espalhadas por quase todos os ramos dos negócios.
Laboratórios fazem frequentemente isso. Promovem bocas livres – “seminários” — em lugares lindos e em hotéis caros no esforço de influenciar médicos a receitar seus remédios. Uma amiga médica me conta que este é um tema que os médicos têm debatido no campo da ética.
No jornalismo, não é diferente. Em minha última passagem por uma empresa, como diretor editorial da Editora Globo, tentei combater isso com a elaboração de um manual de ética depois que soube que o diretor de redação da Época Negócios, Nelson Blecher, retornara de uma boca livre com mais de uma dezena de brindes caros.
Me desgastei e afinal não tive sucesso: logo depois que saí, soube que Blecher voltara à mesma boca livre, agora em outro lugar – e na companhia do diretor geral da Editora Globo, Frederic Kachar. Ambos, Kachar e Blecher, são dois dos mais ávidos caçadores de jabas e mordomias que conheci em minha carreira.
Gilmar não deu um bom exemplo ao presidir um júri simulado em que o maior interessado era e é um plano de saúde.
Também não deu ao deixar de atender ao pedido de esclarecimentos do Ministério Público sobre a suposta pressão que teria sofrido.
Disse outro dia, em outro posto, que o Brasil avançou mais, nos últimos anos, que a mídia brasileira. Acrescento: avançou mais, também, que a justiça brasileira.