O episódio de assédio no BBB 23 expôs um método nocivo de parte indústria do entretenimento de mercantilizar o sofrimento humano – às custas até da vítima e da lei.
A mexicana Dania trazida para o programa pela Globo foi assediada por dois colegas brasileiros diante das telas de um país atônito e de uma emissora vergonhosamente inerte.
Por que a “voz” da produção não surgiu na hora? Por que não houve advertência – como até identificaram e fizeram pessoas da casa?
Não era grave o suficiente como um microfone mal posicionado ou colocar pastas de dente na bolsa?
Por que não tocou o big fone? Por que não enviaram um “dummy”, aquele personagem mascarado, para intervir?
A vida não é produto.
A Globo tem 63 câmeras para exibir e lucrar com o BBB em tempo real e um batalhão na operação. Flagrou todo o assédio de dois homens a uma mulher e nada fez para cessar.
Nada.
E mais: esperou 24 horas enquanto faturava com o crime.
A demora serviu como marketing para gerar uma ansiedade coletiva e fazer do anúncio da decisão uma atração do próprio BBB.
Ou seja: transformar crime em mercadoria.
A indignação reportada pelo apresentador Tadeu Schmidt soa absurdamente falsa quando a produção do programa teve a desfaçatez de deixar a vítima um dia inteiro ao lado de quem a assediou.
Igualmente escandalosa a conversa com a mexicana tornada pública em um exercício grotesco de exploração do assédio para fins comerciais.
E ainda deixá-la exposta para ser interpelada por quem foi acusado de cometer o assédio.
Se a Globo considerou graves as atitudes, por que esperar até depois da novela para dar um desfecho?
A emissora sabia do interesse do público pelo tema e trabalhou com estratégia mercadológica para cativar a audiência – à revelia, claro dos direitos humanos, da proteção à mulher.
É preciso examinar o papel do canal, concessão pública de TV, ao ensejar circunstâncias para o cometimento de um ato de abuso sexual e agir com lentidão para reparar.
A vítima sofreu duas violências: a praticada pelos brothers e a executada pela Globo.
E ambas merecem repúdio e reparação.