Por George Marques
O grupo técnico responsável pela área da saúde no Governo de Transição apresentou nesta sexta-feira (25) informações que dão conta de um cenário de terra arrasada também na área da Saúde do Governo Federal. Os dados disponíveis até o momento indicam um estado de “caos geral” do setor. O médico sanitarista Arthur Chioro, coordenador do grupo, afirmou que o governo Bolsonaro não repassou informações básicas à equipe, como a atual situação de estoque de vacinas e o prazo de validade do que foi adquirido. Não foram adquiridas, até o momento, as vacinas contra Covid-19 e demais doenças para o ano que vem.
O pré-diagnóstico da Saúde se junta ao relatório da área de Justiça e Segurança Pública desta semana apresentado pelo senador eleito Flávio Dino (PSB), ao apontar também o cenário de falta de recursos. Para ilustrar há o exemplo da Polícia Federal, que suspendeu a confecção de passaportes ao passo que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) não consegue sequer fazer a manutenção de suas viaturas, muitas delas depredadas por manifestantes bolsonaristas.
A situação na Saúde é tão ou mais grave. Segundo o grupo técnico, milhares de vacinas contra a covid-19 estão por vencer neste ano, enquanto milhares de pessoas de todas as faixas etárias ainda não tomaram vacinas de reforço ou até mesmo a primeira dose, como ocorre entre crianças. Chioro mencionou que o quadro atual é de “absoluta insegurança” e de “descalabrado” em relação ao programa nacional de imunização da população.
“Não se trata apenas de vacina contra a covid, mas do programa nacional de imunização. Nós identificamos um dos mais graves problemas do Brasil, é uma demonstração do descalabro em que a gente se encontra”, comentou, durante entrevista no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
O grupo técnico mencionou ainda a preocupação com as filas em hospitais públicos e a demora de se realizar atendimentos à população em todo o país, queixa que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva compartilhou ontem, durante a reunião da equipe com membros do Ministério da Saúde. Segundo Arhur Chioro, a pasta simplesmente não possui informações básicas sobre a dimensão desse problema que envolve desde consultas especializadas, até exames e procedimentos de cirurgias eletivas.
“Nós tentamos encontrar informações que pudessem nos indicar o tamanho do problema, qual seria a dimensão, suas características em cada uma das diferentes regiões de saúde do País. Inacreditavelmente, não existe no Ministério da saúde nenhuma informação que possa apontar qual é o tamanho do déficit, do maior problema de saúde vivido pela população brasileira. Então, é um verdadeiro deserto de informações, é o escuro, é uma incapacidade de enxergar o problema na sua dimensão real”, disse Chioro.
Chioro chamou a atenção para o fato de que os dados sobre estoque foram, inclusive, colocados sob sigilo pelo Ministério da Saúde, quando deveriam ser uma informação pública.
“O que nós tivemos foi uma política de contra-comunicação. Enquanto Estados, municípios, cientistas, pesquisadores sanitaristas e as mídias se esforçaram em divulgar e informar adequadamente à população sobre as medidas de prevenção, o uso de máscaras, higiene, vacinação e distanciamento, o governo se organizou para divulgar informação estritamente antagônica. Não use máscara, não se vacine, use medicamentos sem eficácia, se coloque em risco. O TCU (Tribunal de Contas da União) fez uma análise específica sobre os problemas relacionados à questão das políticas da comunicação e viu que toda a questão dos estoques foi colocada sob sigilo. Acreditem, o Ministério da Saúde estabeleceu o sigilo.”
Segundo dados oficiais os cortes na Saúde atingiram de forma mais brutal o Farmácia Popular, com corte de R$ 1,2 bilhão e também do programa Saúde Indígena, com R$ 800 milhões desviados para engordar a verba das emendas RP 9, conhecidas como emendas secretas sob controle principalmente de Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados.
As estimativas colhidas junto aos Estados apontam que cerca de 1 bilhão de procedimentos deixaram de ser realizados nos dois últimos anos, envolvendo cirurgias eletivas e procedimentos ambulatoriais. “Isso expressa não apenas um acúmulo de gente, de pessoas que estão nas filas, mas o aumento considerável do tempo de espera. Hoje, cerca de 58% dos diagnósticos de câncer realizados na cidade de São Paulo são feitos nos serviços de urgência e emergência.”
Ao mencionar os atrasos nos atendimentos, o ex-senador Aloizio Mercadante citou uma experiência pessoal que vive com sua ex-esposa e chegou a se emocionar ao dar o depoimento. “Eu fiquei viúvo de minha primeira esposa, que morreu de câncer. Eu acordava às 5:00 da manhã para pegar uma guia todo dia. O Estado brasileiro tem que prover o tratamento, tem que ter responsabilidade pública”, disse. “Nós não vamos aceitar e tomaremos todas as medidas necessárias para reverter esse quadro.”
Não há como as autoridades do Congresso Nacional ficarem inertes a problemas tão graves que podem comprometer o funcionamento de serviços essenciais do Estado em 2023. O mais preocupante ainda é como essas mesmas autoridades aprovaram a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 com programas tão desestruturados assim. É dever delas contribuírem para o ajuste dessa herança maldita deixada por Bolsonaro.